Protagonizada por dois grandes ícones da música e literatura (bem como dramaturgia e poesia – da vida cultural nacional), Ariano Suassuna e Caetano Veloso dividem o palco de uma velha briga entre tradição e vanguardismo.De um lado, Ariano Suassuna no auge de seus 82 anos de idade, sustentando o estandarte do Movimento Armorial (fundado na década de 70) e suas posições estéticas e políticas um tanto conservadoras.De outro, Caetano Veloso (67), um dos artistas mais polêmicos da contemporaneidade. Um dos idealizadores do Tropicalismo, movimento que agitou a vida intelectual do final da década de 60, principalmente pelo seu caráter experimental.A discussão gira em torno de um mote, a frase “É proibido proibir”, verso da canção de Caetano Veloso de mesmo título.Suassuna, em 1999, publica um artigo intitulado «Dostoiévski e o mal», em que critica severamente o que ele chama de irresponsável e mal formulado princípio amoral estabelecido por Sartre, posteriormente usado pelos tropicalistas.«Se Deus não existe, então tudo é permitido» diz Ivan Karamazov no livro Os Irmãos Karamazov. Ivan é um dos personagens dostoievskianos mais fascinantes. A trama do livro gira em torno de um parricídio, Karamazov [pai] possui três filhos: Dimítri, Ivan e Alieksei. Dimítri possui uma relação tempestuosa com o pai – que não chega necessariamente a ser uma pessoa muito compreensiva, quanto muito, provida de algum princípio moral – desde o início da juventude e o acusa de ter roubado sua herança, além de uma disputa pelo amor da prostituta Gruchenka. Ivan é calado, vive com o pai, mas não necessariamente chega a respeitá-lo como um ser humano. Alieksei era aprendiz do sacerdócio e desiste da vida a pedido do seu mentor.Sem nos deter na psique ou qualquer tentativa de análise psicológica dos personagens complexos de Dostoievski, resumamos a trama principal: Dimítri é acusado do assassinato do pai, no entanto, a voz que o teria instigado a fazê-lo é de Ivan.Ariano Suassuna, um assumido leitor e entusiasta do escritor russo, tira uma lição diferente da frase que levou Sartre, por exemplo, à filosofia existencialista: Logo, como nem tudo é permitido, Deus existe.Mas abandonemos aqui dos fatos de Deus, porque isso não nos compete, ou como diria o próprio Ivan Karamazov “De que adianta tentar explicar o que não é deste mundo?”. A crítica de Suassuna chama o tema “é proibido proibir” dos tropicalistas de leviano e tolo e termina seu artigo chegando à conclusão de que Hegel tinha razão ao considerar a arte, a religião e a filosofia sendo etapas do caminho em direção a Deus.Caetano Veloso, em novembro de 1999, responde a crítica no artigo «Dostoievski, Ariano e a Pernambucália» afirmando que o refrão “É proibido proibir” não pode ser tomado por outra coisa, que não um paradoxo irreverente e apesar de ele próprio se afirmar ateu, não se pode estender a sua preferência religiosa ao movimento tropicalista. Caetano, citando Sartre, observa que toda “moral” é um assunto entre homens, em que Deus não se intromete. E que justamente por ser um assunto humano, a existência da moral não prova a existência ou não de Deus, aliás, a manteria distante.Longe de uma conclusão, não existe vencedores numa discussão estética como essa já experimentada há anos. Como é o caso da Questão Coimbra, onde nossos patrícios dividiram o palco com a briga do tradicionalismo contra a vanguarda da época: românticos versus realistas, briga que ultrapassou os artigos, prefácios e ensaios partindo para um duelo entre Ramalho Ortigão pelos românticos contra Antero de Quental pelos realistas. Quanto a Suassuna e Cateano Veloso, ambos mantêm certa compostura de ambos os lados, embora não regulem na acidez do discurso.Seria interessante lembrar que, ambas as propostas dos movimentos Tropicalista e Armorial, sob um conceito geral, se baseiam na mesma coisa: «Antropofagia» – muito embora, Ariano provavelmente não admita o uso dessa palavra pela falta de simpatia que possui pelos modernistas antropófagos da década de 20. Enquanto o Tropicalismo realiza a antropofagia influenciada pelas correntes de vanguarda e pela cultura pop nacional e estrangeira, o Movimento Armorial preza pela erudição dos elementos populares, fundindo-os aos clássicos da literatura mundial.
Larissa Ceres Lagos
Acadêmica de Letras da FAFIUV.
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