Waly Salomão, poeta maior da Bahia. E a Bahia. Bem, a Bahia a gente sabe. Pra quem não conhece, Waly Dias Salomão nasceu no dia 3 de setembro de 1943, na cidade de Jequié. Filho de pai sírio e mãe sertaneja. Da sua infância, conta o poeta, a mãe e os irmãos discutindo Guerra e Paz, de Tolstói. E o desejo dum bolo em forma de livro. Poeta dono dum apetite imenso, veia poética visceral, singular, atada ao poder da melhor tradição poética, devorada e devolvida sem qualquer comprometimento com a mesma, fazendo-se aí, futuro poeta da tradição. Paradoxos que a obra deste baiano prega, nos pega em suas armadilhas sonoras. Manuel Bandeira faz versos como quem morre. Waly faz versos como quem morde:«Não sou eu quem dá coices ferradurados no ar. / É esta estranha criatura que fez de mim seu encosto. / É ela!!! / Todo mundo sabe, sou uma lisa flor de pessoa, / Sem espinho de roseira nem áspera lixeira de folha de figueira. / Esta amante da balbúrdia cavalga encostada ao meu sóbrio ombro / Vixe!!! / Enquanto caminho a pé, pedestre – peregrino atônito até a morte. / Sem motivo nenhum de pranto ou angústia rouca ou desalento: Não sou eu quem dá coices ferradurados no ar. / É esta estranha criatura que fez de mim seu encosto / E se apossou do estojo de minha figura e dela expeliu o estofo. / Quem corre desabrida / Sem ceder a concha do ouvido / A ninguém que dela discorde / É esta / Selvagem sombra acavalada que faz versos como quem morde».Esta é a criatura que diz “NÃO ao fosso que separa a satisfação libidinal e esfera do trabalho alienado em que a indivi-dualidade não pode constituir um valor e um fim em si. A necessidade de trabalho árduo encarado como sintoma neurótico”. Palavras estas refe-rentes ao seu amigo, o artista plástico Hélio Oiticica, quando abandonou o emprego. Amigo propulsor fundamental da pro-jeção do poeta Waly Salomão. Quando Waly foi preso por porte de maconha, em fevereiro de 70, ficou detido 18 dias na Casa de Detenção do Carandiru. Lá, escreveu o texto Aponta-mentos do Pav 2. Oiticica leu e o entusiasmo foi imenso. Já quis diagramar. Porém, uma viagem do artista plástico a Nova York adiou o projeto. É em 72 que surge Me segura qu'eu vou dar um troço, primeiro livro do poeta, nessa época: Waly Sailormoon. Depois, criou com o poeta Torquato Neto a Revista Navilouca, marco fundamental da poesia pós-moderna brasileira. Publicou em várias outras revistas. Na revista Pólen, por exemplo, em 1974, definiu a busca do poeta: «Por aqui tem feito D dias lindos / Procurar um outro AR / ALTERAR / E o meu ser se esgota na procura patológica / Do que nem eu sei o que é / E esse é / Não há nunca / Em parte alguma / Prazer algum / Mantra mito nenhum / Que me / Baste / ALTERAR». Waly detestava a arte-guloseima, a arte fórmula pronta, afinal «Por que a poesia tem que se confinar / às paredes de dentro da vulva do poema?» (do poema «Exterior»). E ele extravasou mesmo. Gal Costa, Paralamas do Sucesso, Caetano Veloso, Adriana Calcanhoto, O Rappa, Zeca Baleiro, eis alguns nomes de peso da música brasileira que gravaram o poeta. Sabe aquela música Vapor Barato? É, essa mesma, «eu não preciso de muito dinheiro, graças a Deus, e não me importa, e não me importa não, minha Honey Baby, Baby...» É, essa ele compôs com Jards Macalé, gravada inicialmente por Gal Costa, em 1971. Mr. Sailormoon considerava essa letra sub-literata e só deixou sua amiga gravar por causa da grana, pois nessa época não podia se dar ao luxo de não aceitar. Coisas de poeta. Em 2003, foi nomeado Secretário Nacional do Livro. Estava muito empolgado, pretendia fazer do livro uma carta de alforria. O livro como ferramenta social. Infelizmente, Waly adoeceu e faleceu no dia 5 de maio de 2003. Quase sessenta anos de vida, dedicados a “experimentar o experimental”, e porque não dizer ao amor pela arte. «Quase morrer é assim: / uma cada vez mais crescente ojeriza com a vidinha literária / de par com a imorredoura memória de certas linhas, / por exemplo, / que durante o resto de tempo que me é concedido viver / e na hora H da morte, / estampada na minha face esteja a legenda: / O que amas de verdade permanece, o resto é escória» (do poema POST-MORTEM). Poeta do ritmo e da ironia. Poeta pós-Hiroshima. Não se dá ao luxo dum Spleen. «Não cortejar a morte. / Não perambular pelos cemitérios / nem brindar o luar patético / com caveiras repletas de vinho tinto seco / como um Byron-Castro Alves gótico e obsoleto. / Sereno e cabeça dura – testa ruda – / mirar de frente a caveira / e as tropas de vermes de prontidão / (como observo vermes dentro de um pêssego) / mas por enquanto gargalhar da irrealidade da morte. / Gozar, gozar e gozar / a exuberância órfica das coisas / em riba da terra / debaixo / do / céu».NOSSO AMOR RIDÍCULO SE ENQUADRA NA MOLDURA DOS SÉCULOS, com certeza, um maravilhoso poema de amor, do livro Gigolô de Bibelôs (1983). Então, bebamos das fontes de Salomão. Neste breve vórtice de fatos, versos e poemas, espero ter aguçado o paladar de muitos, afinal, o poeta é «a pimenta do planeta».
Isaac Newton é poeta e acadêmico de Letras da FAFIUV
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