Há muitas formas de censura e sem dúvida há entre elas diferentes formas de aparição. Algumas são mais evidentes e fáceis de perceber, outras são tão naturais que não conseguimos notar sua presença. Também notamos que a censura em geral tem ligações imediatas com a cultura, a política e a religião. Porém, assim como Clarice declarou seu amor por aquilo que não presta, e tantos outros poetas não pensaram duas vezes antes de manifestar vital interesse pelo nada, por aquilo que não tem valor; nós não nos esquivamos de tentar entender o paradoxo da palavra: afinal, não há uma maneira mais direta de expressar qualquer idéia que seja senão pela palavra, e não há equívoco mais inevitável do que enganar-se por ela mesma.Simônides, poeta grego dos tempos antigos, foi certamente uma das primeiras pessoas a notar que há na palavra um limite, um acabamento, uma finitude que tem grandes chances de diminuir, reduzir, sintetizar ou, simplesmente transformar um pensamento ou uma idéia em outra. Ou seja, atribuir outro sentido, significado, direção, e imprimir outro entendimento, gerar variadas conclusões e concluir outros tantos desvarios.Não há neste pequeno texto qualquer pretensão de afirmar uma novidade, inaugurar uma teoria, anunciar aos quatro cantos uma descoberta genial ou explicar aos incultos os fundamentos de quaisquer teorias sobre a linguagem, o discurso ou a escrita. Longe disso, e deixamos tais tarefas para os textos acadêmicos e para as pesquisas direcionadas aos referidos problemas.O fato é que a palavra não apenas cria limites para o que se pensa e se tenta dizer. Ela também pode ser uma arma gramatical com potenciais atômicos, pois seu próprio caráter limitador é, necessariamente, um instrumento de gestação. A palavra é ela mesma o deslimite, a dilatação dos horizontes, o lugar onde o sentido parece sintoma, o significado parece doença, e o ponto final da interpretação o prelúdio de uma morte mais que anunciada. A palavra não anuncia verdades, ela inventa. Cria, alimenta, reprime e dá adeus – no caminho irrevogável de toda palavra que nasce para o mundo, um caminho que é só dela e isso é tudo.A censura é o açoite da palavra, é o homem tentando prendê-la como que um dia já cercou rebanhos, já criou horários de trabalho, já determinou o que é melhor para se ler e como se deve escrever. Como se fosse possível, no passo seguinte, dizer o que se deve pensar. Não é que ele não tente, pois tentamos sempre. Mas o pensamento é fugidio, é liso escorregadio, é livre feito raio de sol, feito sorriso rasgado e ironia afiada. É o lusco-fusco, o brilho intenso, o cheiro do ralo. É caminho, é estrada; é nó desfeito e por fazer.A morte é invenção assim como a vida. As palavras morte e vida não têm vida nem morte, têm nascimentos, urdiduras e paixões. Têm ritmo, fogo e prazer. Têm embalo, colo e chão. E toda censura que se apresente há de reconhecer que veio pra rezar, pra lamentar seu trabalho sujo e necessário, sua dor de perda diante de seu túmulo exposto em céu aberto. Porque a censura é necessária, importante e também criadora, pois há nela também uma força inventiva. Mas ela castra mais do que cria, reprime mais do que dá asas. E palavras nascem pra voar.
Samon Noyama
Prof. de Filosofia da FAFIUV
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