Na tentativa de estabelecer uma identidade literária brasileira e apresentar uma obra de arte renovadora, Mário de Andrade cria uma das obras mais expressivas do modernismo brasileiro, Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. O mito já existia. O escritor o extraíra dos estudos etnográficos do alemão Kock Grimberg. A palavra Macunaíma vem de uma língua indígena, e significa o “grande mal”, o deus do mal. No entanto, a personagem de Mário é ambivalente. O livro foi escrito em apenas uma semana, enquanto o modernista estava de férias em um sítio em Araraquara. O livro é lançado em 1928. Nele, o autor misturou lendas, mitos e contos do folclore brasileiro, apresentando as raízes primitivas da nação em busca de uma definição própria.O romance ou rapsódia, como foi definido, conta a história de Macunaíma, um herói com personalidade indefinida, multifacetado, corajoso e covarde, sincero e mentiroso, leal e trapaceiro, esperto e preguiçoso, enfim, o herói da nossa gente. A narrativa é sensual e exótica, como são as lendas e os mitos indígenas. Em um dos prefácios escritos para a obra, e que não foram publicados, Mário afirma que o livro possui uma sensualidade que cheira à pornografia, mas que não deveria ser retirada das lendas. A linguagem empregada é totalmente literária, original, sonora, com repetições que causam grande musicalidade. Há a utilização de belíssimas metáforas e símbolos que trazem para o texto um tom de ambigüidade, humor, sátira e inovação, elementos que eram muito explorados pelos modernistas de 22. É com Macunaíma que temos a completa realização da antropofagia exaltada por Oswald. Mário estabelece uma nova postura literária no Brasil, influenciada pelas vanguardas. Encontramos em grande parte da obra de Mário a defesa pelo nacional. Assim como Macunaíma busca a muiraquitã, - um talismã que lhe tinha sido ofertado por sua primeira amada, uma guerreira amazona, Mário busca definir uma identidade brasileira. Transitando entre a mitologia e a literatura, ele não impõe no livro limitações de tempo e espaço. Desmonta e remonta o Brasil, como uma obra de arte cubista onde as figuras são sobrepostas. O leitor passa a ver o Brasil por vários ângulos ao mesmo tempo. Num piscar de olhos o leitor passa de um lugar a outro, do presente ao passado, do céu à terra, sem noção de tempo, desfazendo assim conceitos pré-estabelecidos pela teoria e estabelecendo seu estilo genial.Macunaíma, por ser literalmente individualista, tem um final trágico, acaba sozinho e é devorado pela própria mitologia que permeia o livro. Como é o destino de todos os seres, segundo a tradição, vira um astro, a Ursa Maior, indo viver o “brilho inútil das estrelas”. Na década de 60, Macunaíma ressuscita. O cineasta Joaquim Pedro de Andrade transcria para o cinema o que Mário sugere metaforicamente em palavras. O filme se constitui como uma ótima recriação do livro. O mundo mudou desde a década de 20, quando Macunaíma foi lançado, no entanto, a macro-estrutura da sociedade é a mesma. W. Pietro Pietra, por exemplo, se encaixa perfeitamente no sistema capitalista do mundo contemporâneo. Por trás de todo o humor do livro, aparece um sopro de tristeza. Como dizia Macunaíma, blasfemando contra o próprio país: “Pouca saúde e muita saúva, os males do Brasil são”. Deixo aqui a dica de leitura. Que a busca de Mário de Andrade por uma identidade literária não seja apenas uma quimera. E que autor e leitor possam estar “se rindo um pro outro” literariamente.
Karine Bueno Costa
Acadêmica de Letras da FAFIUV
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