quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

O labirinto do fauno: uma fuga da repressão - urtiga! n° 8


O universo onírico e gótico é a espinha dorsal do filme O labirinto do Fauno. O diretor Gulhermo Del Toro não delimita o que é fantasia ou realidade. O público segue o caminho de sua preferência. Aqueles que não acreditam em fadas, lendas e mitologia não se sentirão enganados. Otimistas que ainda vêem esperança no mundo caótico em que vivemos ficarão satisfeitos. E esta dualidade de vivência fica evidente na personalidade de Ofélia. Ela mostra que talvez a melhor maneira de escapar da realidade seja criando um mundo de fantasia.O filme tem início narrando a história de uma princesa que abandonou seu reino subterrâneo para conhecer o mundo dos humanos e as conseqüências de seus atos. Depois disso, a narrativa salta para a Espanha de 1944 para que possamos conhecer Ofélia (Ivana Baquero), uma menina de 10 anos, fascinada por livros de contos e fábulas com fadas. Ela está viajando junto com a sua mãe Carmen (Ariadna Gil) para o campo, na região ao norte de Navarra. Oficialmente a Guerra Civil Espanhola já terminou, mas um grupo de rebeldes ainda luta pela liberdade. Lá elas vão encontrar com Vidal. Ele é o capitão das forças fascistas do general Franco, que governa a Espanha em favor dos ricos e poderosos com a aprovação da Igreja Católica e luta para exterminar os guerrilheiros da localidade. Logo de cara percebemos que Vidal é um homem extremamente sádico e que maltrata Ofélia. Solitária, a menina logo descobre a amizade de Mercedes (Maribel Verdú), jovem cozinheira da casa, que serve de contato secreto dos rebeldes. Além disso, em seus passeios pelo jardim da imensa mansão em que moram, Ofélia descobre um labirinto que faz com que todo um mundo de fantasias se abra, trazendo conseqüências para todos a sua volta. Neste labirinto ela conhece o Fauno (o mímico Doug Jones), uma criatura metade humana, metade bode, que a convence de que ela é a princesa perdida do reino subterrâneo e que precisa realizar três tarefas para retornar para seu reino. Ao mesmo tempo em que Ofélia embarca nessa viagem repleta de fantasia, Vidal não poupa esforços e sadismo para exterminar os rebeldes que ameaçam o governo. O mundo do labirinto acaba por ser uma crítica ao regime franquista que torturou e oprimiu por tantos anos o mundo real. A censura do pensar e do agir era que imperava. Quando Ofélia enfrenta as criaturas horripilantes torna-se impossível não associá-las à brutalidade de Vidal. Por mais aterrorizantes que sejam as aparências dos seres, fica a impressão de que os humanos são os verdadeiros vilões. As ações despóticas de Vidal representam, generalizam o sistema ditatorial. Nas ditaduras da América-Latina, tomadas por exemplo por estarem mais próximas, tivemos o progressivo desvio das Forças Armadas para as funções de caráter policial: desta forma o exército latino-americano passa a vigiar, controlar, perseguir, pegar e castigar com tortura e morte qualquer pessoa que fosse tida como ameaça real ou em potencial. Isto produziu uma militarização da polícia e uma homogeneização entre as funções militares e policiais.Durante o período de Regime Ditatorial Militar, o Estado é que deteve o poder de impor, muitas vezes, pela força, as normas de condutas que deveriam ser obedecidas por todos. “A tortura, como se vê, transformar-se-ia em tema constante de todo aquele que tratasse da ditadura”. (FICO apud FERREIRA; DELGADO, 2003 p. 171) O Estado, como uma entidade política, deteve o monopólio governamental pela coerção e passou a ser o centro nevrálgico de todas as atividades quer fossem sociais, políticas, econômicas e culturais, todas exemplarmente policiadas.O período em que se instaurou o regime militar pode ser, sem dúvida alguma, comparado ao terror medieval instaurado pelos tribunais do Santo Oficio e seus métodos cruéis e bizarros de tortura.A tortura passa dos limites, ela está além da barreira imaginária que se cria para definir o que é normal na acepção da palavra. Mas para que essa linha imaginária possa ser percebida como tal, faz-se necessário que se conheça o que está além dela. E é exatamente isso que acontece no caso da tortura. Ela é bem conhecida pela consciência humana e é por essa razão que sempre que possível é ignorada.
Caso contrário teríamos que julgar, sempre, tudo o que fazemos ou deixamos de fazer a partir dos dois lados dessa linha. E isso nos enlouqueceria.A tortura subverte a ordem estabelecida. A conexão entre dois seres humanos restringe-se ao sofrimento, provocado por um e sofrido pelo outro. Dentro da hierarquia militar, que fez (e faz?) da tortura uma ferramenta, ela concede mais poder àquele que tortura que ao seu superior por duas razões. Primeiro porque torturadores são efetivos, afinal de contas a tortura é efetiva. Segundo porque os torturadores são, por um lado, protegidos e premiados por seus superiores, que querem garantir sua lealdade e eficiência. Por outro lado, tortura e torturadores têm que ser desmentidos, para que a funcionalidade do sistema que é considerado normal não seja colocada em risco. Desta maneira, a tortura é uma faca de dois gumes, pois, ao mesmo tempo em que se impõe através do medo, enfraquece não apenas a hierarquia militar, porque cria privilégios extraordinários, mas também a política e a justiça, que tentam declarar a injustiça por justiça, ou de negar simplesmente a verdade. Além do mais, a imprensa é também corrompida porque não consegue denunciar publicamente aquilo que ela sabe que está acontecendo. A tortura, por fim, desmoraliza toda uma sociedade. Vozes são caladas, livros destruídos, verdades mascaradas. Uma minoria ativa, geralmente composta por estudantes, intelectuais e professores universitários, era bastante rigorosa. Foi uma época difícil, que deixou marcas não apenas pelo aspecto político, mas principalmente cicatrizes físicas e psicológicas. Entretanto muito profícua, as verdades continuaram a ser ditas, de maneira sutil, disfarçadas sob o manto da ingenuidade.




Ana Paula Such


Prof. de Lit. Portuguesa da FAFIUV

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