As entidades reguladoras desde sempre motivaram os seres nos direcionamentos que se pretendiam. Essa pretensão sugere, é claro, alguém que comanda e quem segue os comandos. Ora, é sabido que o homem é um ente que se move num mundo conceitualmente constituído, e que o que baliza suas movimentações, anseios, vontades e pensamentos, está ele dentro de normas socialmente situadas (sim, o homem é um ser socialmente situado, centralmente situado, quem disso foge é chamado excêntrico: fora de centro) não é menos justo afirmar que a necessidade de se impor uma extrapolação aos comandos do que fazer e pensar a esse homem tem-se verificado em todas as épocas da humanidade. Havia aqueles que abusavam do comando das regras, outros que impingiam normas às pessoas por trás da máscara do modismo, do que é elegante e refinado, do faça isso senão você será diferente, discriminado, marginalizado. O mundo é ainda, porque os homens o fazem, um lugar em que a vontade de uma minoria dita as referidas regras. Sempre houve escusas. Os anti-semitas procuravam legitimar sua discriminação alegando que os judeus eram cosmopolitas; a ditadura calou a voz dos que viveram os anos de chumbo sob a máscara do melhor para a nação. Tudo procura uma justificação, mesmo que inconcebível aos nossos olhos nesse palco contemporâneo. Olhamos o passado nem tão remoto e nos perguntamos por que sempre quiseram fazer calar; lembramos e estudamos o nazismo e os outros movimentos autoritários como algo muitas vezes de outro mundo, e nos felicitamos por viver numa época em que o sonho e a liberdade de expressão finalmente são possíveis. Muitos dos terrores que assolaram o século XX e que nos escandalizaram foram causados pela aceitação da norma imposta, sempre de maneira particularista, em que o protesto – relegado a poucos – veio numa época em que já não mais adiantava protestar. Muito do que motivou esses absurdos contra o ser humano, em todos os tempos, está presente ainda hoje: de forma mais ou menos velada nos discursos dos que querem comandar o rebanho, na mídia eletrônica do faça isso e não faça aquilo, nos aparelhos repressivos do estado ou pior, de maneira também explícita pela imposição arbitrária de proibições à livre expressão e à fala.A censura é uma das formas mais odiosas de demonstração do poder nefasto. Os que dessa arma se utilizam descendem dos arrogantes autoritaristas que em formas variadas, em maneiras variadas controlaram o pensar e o comunicar do homem. Os que ainda desse poder explícito e tenebroso se valem, negam ao ser a possibilidade de expressão, única forma de legitimação do ser humano numa sociedade que se quer modernizada. Os casos estudados durante a ditadura, em que as vozes eram silenciadas (ou proscritas, ou domesticadas) tinham o aval da força violenta. A censura ainda presente mesmo depois de restaurado o governo popular, não deixa de ser um golpe violento contra quem fala e quer falar, tão violento ao ponto de nos fazer reconsiderar nossa contemporaneidade e nos questionar se os tempos idos e terríveis não estão voltando numa época em que alguns os consideram acabados. Justificar o calar como defesa aos interesses do povo é agir na antípoda, é confirmar a terrível tese de que o homem não mudou mesmo depois de ter assistido a um passado em que os mandos e desmandos desmedidos ocasionaram tantas dores. Agir em defesa da coisa pública é permitir que quem a faz se expresse. Quem cala pode estar consentindo, mas há o silêncio imposto, esse que não dá a possibilidade de interlocução, de comunicação, só o temor que nos deixa sem voz.
Josoel Kovalski
Prof de Literatura da FAFIUV
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