Propensos à experiência contínua estão os homens. Quando nos reportamos às palavras e discursos literários, notamos que a proliferação de saberes nunca experimentados pelos receptores é o moto que faz dialogar vivências dos que lêem com provocação de lembranças daqueles que escrevem. A rede aí trançada e que tem como lugar de encontro, o livro, transcende as materialidades que relegamos ao texto, pois a troca de visões de mundo, o reconhecimento pelos leitores em fatos instaurados pela via literária, pelo discurso da entidade in absentia que revigora a vida nos momentos da leitura pode ser vista como um lugar de aparecimento da memória, como um escambo do que se sente ou sentir se pode. A leitura é muito mais que decodificação. O leitor muito mais que receptor passivo.
Vivenciar fatos e compartilha-los com outrem tem sido o principal motivo de estabelecimento comunicativo desde os primórdios. Temos necessidades de contar fatos, mesmo que sejam inventados, ou de exagerar ocorrências a nosso bel-prazer, com ênfase naquilo que julgamos ser mais essencial. Daí temos a escolha vocabular para melhor salientar o que queremos que cause impacto; temos as notícias que enfatizam alguns aspectos em detrimento de outros e o conhecido ponto de vista: o narrador é um manipulador de fatos.
O ser humano transita entre o discurso que objetiva uma realidade coerente com o seu modo de vida e aquele que ultrapassa essas instâncias. A literatura trata do segundo modo, mas com a força centrada no primeiro. A experiência se estabelece não como aquilo como realmente é ou foi, mas que dá mostras de como poderia ser num mundo tangível. Não só o que acontece nas instâncias positivamente provadas interessa como experiência. Ela vem de uma abstração, a mesma que contribui para a criação de estórias, para a apreciação poética, de possibilidade alternativa de refletir o mundo e representa-lo. A leitura é um compartilhar experiências que podem ter sido elaboradas somente como possibilidade numa abstração do escritor em relação ao mundo, mas dialogando com esse mundo, e não somente a experiência de algo que “realmente” aconteceu. A essa experiência podemos chamar conhecimento de mundo.
Isso pode explicar porque um escritor pode falar – e seu texto instaurar o diálogo com as experiências do leitor – em, por exemplo, um parto. Se ele for homem, e não tiver relações afins com a obstetrícia a única possibilidade de compartilhar um discurso que gera essa experimentação por parte dos leitores é de acordo com seu conhecimento de mundo, o que contribuirá e ativará um conhecimento de mundo dos leitores. Por isso narradores diferem de escritores, por isso o narrador pode ser um cão, uma mulher (quando o escritor é homem), um deficiente mental; por isso o narrador é mais um criação no texto, e ele sabe e nos conduz –ou nos faz perder-nos – pelo conhecer que traz intrínseco em si, idéias nem sempre refletidas pela entidade física escritor. As possibilidades encontram-se nos discursos que promovem uma experiência de mundo do leitor balizada, às vezes, somente pela experiência de mundo do produtor da obra. Claro que nesta rede de saberes estará um sem fim de experiências, fatos observados, ditos e ouvidos, acontecimentos históricos.
Nem tudo o que compartilhamos precisa ser vivido na carne. A maioria é compartilhada pelo conhecimento, não vivencial, mas pela troca de experiências muitas vezes distante no tempo e espaço, projetadas pelo discurso que propicia essa aproximação de saberes, de diálogos: o da literatura.
Josoel Kovalski
Prof. de Literatura da FAFIUV
Vivenciar fatos e compartilha-los com outrem tem sido o principal motivo de estabelecimento comunicativo desde os primórdios. Temos necessidades de contar fatos, mesmo que sejam inventados, ou de exagerar ocorrências a nosso bel-prazer, com ênfase naquilo que julgamos ser mais essencial. Daí temos a escolha vocabular para melhor salientar o que queremos que cause impacto; temos as notícias que enfatizam alguns aspectos em detrimento de outros e o conhecido ponto de vista: o narrador é um manipulador de fatos.
O ser humano transita entre o discurso que objetiva uma realidade coerente com o seu modo de vida e aquele que ultrapassa essas instâncias. A literatura trata do segundo modo, mas com a força centrada no primeiro. A experiência se estabelece não como aquilo como realmente é ou foi, mas que dá mostras de como poderia ser num mundo tangível. Não só o que acontece nas instâncias positivamente provadas interessa como experiência. Ela vem de uma abstração, a mesma que contribui para a criação de estórias, para a apreciação poética, de possibilidade alternativa de refletir o mundo e representa-lo. A leitura é um compartilhar experiências que podem ter sido elaboradas somente como possibilidade numa abstração do escritor em relação ao mundo, mas dialogando com esse mundo, e não somente a experiência de algo que “realmente” aconteceu. A essa experiência podemos chamar conhecimento de mundo.
Isso pode explicar porque um escritor pode falar – e seu texto instaurar o diálogo com as experiências do leitor – em, por exemplo, um parto. Se ele for homem, e não tiver relações afins com a obstetrícia a única possibilidade de compartilhar um discurso que gera essa experimentação por parte dos leitores é de acordo com seu conhecimento de mundo, o que contribuirá e ativará um conhecimento de mundo dos leitores. Por isso narradores diferem de escritores, por isso o narrador pode ser um cão, uma mulher (quando o escritor é homem), um deficiente mental; por isso o narrador é mais um criação no texto, e ele sabe e nos conduz –ou nos faz perder-nos – pelo conhecer que traz intrínseco em si, idéias nem sempre refletidas pela entidade física escritor. As possibilidades encontram-se nos discursos que promovem uma experiência de mundo do leitor balizada, às vezes, somente pela experiência de mundo do produtor da obra. Claro que nesta rede de saberes estará um sem fim de experiências, fatos observados, ditos e ouvidos, acontecimentos históricos.
Nem tudo o que compartilhamos precisa ser vivido na carne. A maioria é compartilhada pelo conhecimento, não vivencial, mas pela troca de experiências muitas vezes distante no tempo e espaço, projetadas pelo discurso que propicia essa aproximação de saberes, de diálogos: o da literatura.
Josoel Kovalski
Prof. de Literatura da FAFIUV
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