terça-feira, 19 de maio de 2009

Contestado: As representações na leitura dos romanceiros - urtiga! nº3

Conhecer as narrativas dos romances significa compreender como se construiu uma memória social do acontecimento, bem como as representações que colocaram em lugares opostos a 'civilização' e a 'barbárie'. “Nas ciências humana fala-se muito, e há muito tempo, de “representação”, algo que se deve, sem dúvida, à ambigüidade do termo. Por um lado, a “representação” faz as vezes da realidade representada e, portanto, evoca a ausência; por outro, torna visível a realidade representada e, portanto, sugere a presença” (GINZBURG:2001).
Ginzburg afirma que a contraposição poderia ser facilmente invertida. É importante destacar que, embora a representação se constitua como categoria no debate historiográfico, traz consigo algumas incertezas, em razão das múltiplas maneiras como é abordada. Entre alguns historiadores é consenso que, o movimento do Contestado propiciou a formação de uma pluralidade de representações, sobre as quais os sujeitos sociais, sertanejos, associaram a representação sobre a República ao mal, uma evocação do bem ausente que existiu outrora na Monarquia.
As representações têm como fim manifestar os aspectos descritos a partir do real e do imaginário de alguns romances pré-selecionados que contemplam abordagens gerais ou particulares do Contestado; os sujeitos sociais, o espaço, o tempo e o cotidiano. Vários romances foram publicados, alguns dos mais conhecidos e difundidos entre os leitores: Casa Verde (1995), de Noel Nascimento; Glória até o fim (1998), de Telmo Fortes; Romanceiros do Contestado (1996), de Stella Leonardos; O Bruxo do Contestado (1996), de Godofredo de Oliveira Neto; Geração do deserto (2000), de Vilmar Guido Sassi; Império Caboclo (1994) de Donaldo Schüller Sobrinho; O dragão vermelho do Contestado (1998) e Chica Pelega: a guerreira de Taquaruçu (2000), de Sanford de Vasconcelos; Eles não acreditavam na morte (1978), de Fredericindo Marés de Souza.
As narrativas dos romances sobre o Contestado manifestam-se nos textos com uma diversidade imensa de formas ou sistemas de comunicação, bem como diferentes enfoques envolvendo as questões espaciais, culturais, reais e imaginárias. Das obras romanescas acima mencionadas, após a leitura, tenho a percepção das várias faces em que é representado o Contestado, quanto à abordagem temática e linguagem.
Segundo Benjamin, o romance conduz o leitor à percepção de uma cultura enraizada em determinados sujeitos sociais decorrentes de seu cotidiano no contexto do espaço que ocupam e do tempo em que vivem. Esta cultura é capaz de dar respostas para a luta pela sobrevivência.
O romance como análise de prática narrativa, com o uso cada vez mais freqüente da lingüística, propicia uma reflexão histórica, até porque a literatura moderna não enfoca unicamente os gêneros literários, mas uma teoria geral da literatura superando os estudos fragmentários. O romance, quando se lança a um tema histórico, requer do autor um conhecimento sobre o contexto cultural, econômico e político no qual estão vinculados os sujeitos sociais, ou personagens, e o acontecimento. A delimitação temporal e descrição espacial na literatura romanesca exigem do narrador conhecimentos histórico-geográficos, nos quais o leitor mergulhará com mais precisão no tempo e espaço daquilo que é narrado.
A literatura romanesca nos traz um conhecimento indireto do passado, usa linguagem muito rica e, ao mesmo tempo, polissêmica, as narrativas produzidas sobre o acontecimento e os sertanejos estão marcados pela subjetividade. Alguns romances mutilam as experiências do passado, reportando-se aos sujeitos sociais como sendo representações fantasmagóricas. Tenho presente que não é tarefa do romancista, podendo ser, a exemplo do historiador que procura a inteligibilidade, o sentido, ou seja, as possibilidades objetivas dos fatos históricos e fenômenos sociais.
A literatura romanesca insere-se no contexto da produção ficcionista, sem a obrigatoriedade de operar o texto com rigor cientifico. Constituem-se assim as narrativas em uma diversidade de enfoques, envolvendo os sujeitos sociais, o mundo na análise de uma época ou acontecimento. Para Michel de Certeau, a história tem a pretensão de representar o real, muito além da ciência e da ficção.
O passado é um espelho que tem vida e a história é uma reflexão sobre o mesmo, articulado com as experiências que estão sendo vividas. O romancista produz cultura através da riqueza da linguagem, com fantasias, metáforas ou narrando experiências vividas que contagiaram e continuam contagiando. A literatura é um campo fértil, uma fonte inesgotável de tradução de significados ao navegar nos labirintos da imaginação e ler o mundo nas amplas representações.

Eloy Tonon – Prof. de História da América e Introdução à Sociologia dos cursos de História e Filosofia da FAFIUV

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