
Consideremos Dom Casmurro. Nesta obra, o protagonista Bento era para ser mais um homem alienado, um homem que diz «sim» para tudo, não fosse por Capitu, seu grande e primeiro amor, que cresceu junto de seu amigo, e que experimentou as exímias sensações do sentimento, mudando o curso natural da história. Não fosse por Capitu!
Eis o amor, simples e puro, mas à medida em que é colocado em prática, sofre profundas mudanças.
Quem nunca teve um grande amor também não provou os seus contrários, sendo que destes muitos o sabem.
A psicologia inserida na personagem Bentinho causa impacto na vivência dos expectadores, os leitores. Assim como o sentimento do amor é contraditório, - bastaria lembrar as colocações de Padre Antonio Vieira, no Sermão do Mandato, e do poeta-músico Renato Russo, em Monte Castelo -, as pessoas que o sentem tornam-se também contraditórias.
Há que se observar o sentimento maior e tudo o que ele produz. Talvez as contradições sejam naturais, pois todos nascem propícios ao amor, mas nenhum amor é verdadeiro até que seja provado. É por isso que são naturais e necessárias as interações entre as pessoas. Se não há, como o saber?
Bento sofreu, Capitu sofreu, não poderia ser diferente, viveram uma linda e envolvente história de amor, mas que já começou «errada», para folhetim algum botar defeito.
Por que não continuar no seminário? Por que não esquecer Capitu? Capitu, olhos de cigana dissimulada e oblíqua, olhos de ressaca, como quem espera mais da vida. Realmente, ela queria o mundo.
É nesse ponto que a questão social moldou os rumos da história.
Sem ver muito futuro, Capitu investiu todos os seus esforços em continuar com seu grande e primeiro amor, a ponto de dividi-lo pedindo que escolhesse entre sua mãe , Glória e ela. Capitu não tinha nada a perder, era simplesmente mais uma vítima do sistema, agia de acordo com o que sua mãe havia lhe ensinado como sendo «o correto», referindo-se a casar bem. Já Bentinho, ao escolher a jovem, deu sua cartada no jogo do destino. Mas o que ele ofereceu, casa, amor, vida social, filho, não era o bastante para a alma polifônica de Capitu.
Bento era muito singular, não soube moldar sua essência ao desenrolar das situações, o certo é que elas ocorreram. Por não poder contradizer-se de todo, o nobre personagem-narrador, adotando pensamentos que dilaceravam sua alma, tornou-se ensimesmado, triste, casmurro. A dúvida da suposta traição era uma necessidade que ele sentia, tornou-se seu maior alimento à medida em que as suspeitas aumentavam.
Não cabe aos leitores julgar se Capitu era culpada ou inocente, até porque todos são inocentes até que se prove o contrário. Nas palavras do próprio Machado: "Talvez inocente. Quem sabe se culpada".
Maria Celina Keitto
Acadêmica de Letras da FAFIUV
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