terça-feira, 19 de maio de 2009

Amor nos tempos de Machado de Assis - urtiga! nº3

Cultuado em seu tempo (e até hoje) como escritor «clássico», representante máximo de nossa «boa literatura», Machado de Assis soube, como nenhum outro escritor brasileiro, revelar os labirintos da alma humana e combater, pela ironia sutil, as «más ações» de nossa sociedade ainda colonial e enriquecer seu trabalho com temas clássicos de amor e, em alguns casos, com lirismo e dramaticidade para ninguém colocar defeito. Tudo isso em uma época escravocrata e autoritária.
Consideremos Dom Casmurro. Nesta obra, o protagonista Bento era para ser mais um homem alienado, um homem que diz «sim» para tudo, não fosse por Capitu, seu grande e primeiro amor, que cresceu junto de seu amigo, e que experimentou as exímias sensações do sentimento, mudando o curso natural da história. Não fosse por Capitu!
Eis o amor, simples e puro, mas à medida em que é colocado em prática, sofre profundas mudanças.
Quem nunca teve um grande amor também não provou os seus contrários, sendo que destes muitos o sabem.
A psicologia inserida na personagem Bentinho causa impacto na vivência dos expectadores, os leitores. Assim como o sentimento do amor é contraditório, - bastaria lembrar as colocações de Padre Antonio Vieira, no Sermão do Mandato, e do poeta-músico Renato Russo, em Monte Castelo -, as pessoas que o sentem tornam-se também contraditórias.
Há que se observar o sentimento maior e tudo o que ele produz. Talvez as contradições sejam naturais, pois todos nascem propícios ao amor, mas nenhum amor é verdadeiro até que seja provado. É por isso que são naturais e necessárias as interações entre as pessoas. Se não há, como o saber?
Bento sofreu, Capitu sofreu, não poderia ser diferente, viveram uma linda e envolvente história de amor, mas que já começou «errada», para folhetim algum botar defeito.
Por que não continuar no seminário? Por que não esquecer Capitu? Capitu, olhos de cigana dissimulada e oblíqua, olhos de ressaca, como quem espera mais da vida. Realmente, ela queria o mundo.
É nesse ponto que a questão social moldou os rumos da história.
Sem ver muito futuro, Capitu investiu todos os seus esforços em continuar com seu grande e primeiro amor, a ponto de dividi-lo pedindo que escolhesse entre sua mãe , Glória e ela. Capitu não tinha nada a perder, era simplesmente mais uma vítima do sistema, agia de acordo com o que sua mãe havia lhe ensinado como sendo «o correto», referindo-se a casar bem. Já Bentinho, ao escolher a jovem, deu sua cartada no jogo do destino. Mas o que ele ofereceu, casa, amor, vida social, filho, não era o bastante para a alma polifônica de Capitu.
Bento era muito singular, não soube moldar sua essência ao desenrolar das situações, o certo é que elas ocorreram. Por não poder contradizer-se de todo, o nobre personagem-narrador, adotando pensamentos que dilaceravam sua alma, tornou-se ensimesmado, triste, casmurro. A dúvida da suposta traição era uma necessidade que ele sentia, tornou-se seu maior alimento à medida em que as suspeitas aumentavam.
Não cabe aos leitores julgar se Capitu era culpada ou inocente, até porque todos são inocentes até que se prove o contrário. Nas palavras do próprio Machado: "Talvez inocente. Quem sabe se culpada".

Maria Celina Keitto
Acadêmica de Letras da FAFIUV

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