terça-feira, 4 de maio de 2010

ENTREVISTA: Stella Florence - urtiga! n° 12

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Durante dez anos, Stella Florence trabalhou como secretária executiva. Até que numa tarde chuvosa, olhou ao seu redor no escritório em que trabalhava e se perguntou: "O que é que eu estou fazendo aqui?" O resultado? Stella levantou de sua mesa e foi embora para nunca mais voltar. Pouco depois desse grito de alforria, ela resolveu se dedicar à literatura. Hoje essa escritora paulistana é autora de vários livros, entre eles Por que os homens não cortam as unhas dos pés, Hoje acordei gorda e 32, 32 anos, 32 homens, 32 tatuagens.

O que te motivou deixar a profissão de secretária para se dedicar exclusivamente à de escritora?
Talvez seja possível resumir em uma palavra: vocação. Foi um surto da alma: aos 29 anos, eu me levantei, peguei minha bolsa, e fui embora do escritório como um zumbi em transe. Dias depois a ideia de voltar a escrever (coisa que eu fazia não profissionalmente na infância e adolescência) me pareceu óbvia, irrefreável. Por mais absurda que parecesse minha decisão naquele momento, eu nunca tive qualquer dúvida de que a mudança de profissão daria certo. Eu estava envolvida por uma espécie de lucidez espiritual – que poderia facilmente ser con-fundida com loucura, é claro. (risos).

Gostei muito dos contos de Hoje acordei gorda, porém, um me deixou surpresa no início e no fim feliz: «Eva era gorda mesmo». Parece-me que, nesse conto, a mulher é vista de forma estereotipada e no final dá uma alegria, um consolo por, finalmente, alguém afirmar que o natural é ser gordo e os magros é que são os anormais. Poderia comentá-lo?

A ideia desse conto-crônica é brincar com a possibilidade de uma origem gorda para todos nós, já que a queda do paraíso tem similaridades com uma quebra de dieta. É apenas uma brincadeira sobre as teorias esdrúxulas que tecemos em torno das mesas de bar, quando o álcool começa a afetar nosso raciocínio.

E quanto a um assunto bastante polêmico, o aborto, você é contra ou a favor? Quando lemos o conto «A vítima», ficamos com a impressão de que a narradora redime a protagonista Gerda, que praticou um aborto.
É, sou a favor da legalização do aborto, não do aborto em si. Não conheço nenhuma mulher que acorde um dia e pense: “Puxa, eu nunca fiz um aborto na vida, preciso ter essa experiência!”. Portanto, não faz sentido ser a favor de algo que só causa dor à mulher. No entanto, é preciso que haja a legalização para que quem escolher se submeter a ele o faça com condições básicas de saúde. No conto que você cita, um dos meus preferidos, Gerda está morta e se vê amparada por um espírito que crê ser seu anjo da guarda. Ao insistir sobre sua identidade, o espírito que a acompanhava com imenso carinho diz sem nenhuma mágoa: “Eu sou o filho que você optou por não ter”. É uma visão minha: acredito que o amor e a compreensão dos limites e das carências do outro sempre irão vencer a parada.

Alguns críticos como Regina Dalcastagné e Tânia Ramos a consideram uma escritora de auto-ajuda, propensa à prática da literatura conhecida como ¨chick lit¨. O que pensa disso?
Sim, eu sou tida como uma representante brasileira da chamada ¨chick lit¨ (literatura de mulherzinha). Não me preocupam os rótulos, eles são necessários para que você seja identificada num primeiro momento. Carrego os rótulos de escritora de humor, de auto-ajuda, de literatura feminina, de chick lit, de cronista ácida, etc. Como diz uma de minhas tatuagens: “sou várias e todas... verdadeiras”.

Na época em que seu livro de contos Hoje acordei gorda foi publicado, muitas pessoas pensavam que o livro fora escrito por Mário Prata. Você encarou o fato com bom humor?
Eu AMEI! Foi o melhor presente que uma escritora iniciante, como eu era na época, poderia receber. Imagine alguém que você admira e respeita muitíssimo fingir que escreveu seu livro e ainda dizer “este é meu melhor livro”. Eu babei de orgulho! Tenho convicção que, no Hoje Acordei Gorda, o Mario Prata, genial como sempre, criou um dos melhores prefácios da literatura.

Quais seus livros de cabeceira e qual está lendo no momento? E seus autores preferidos, poderia comentar sobre eles?
Para não estender demais a resposta, vou centralizar em dois dos meus preferidos: sou apaixonada pelo Gabriel García Márquez e pelo Tennessee Williams. Acho “Um bonde chamado desejo” (de T.W.) uma peça brilhante que consegue, através de duas personagens (Blanche e Stella), abordar quase todos os aspectos do feminino. Já Gabo (leio tanto Gabriel García Marquez que me sinto íntima do escritor colombiano a ponto de chamá-lo pelo apelido) é imbatível na maneira como aborda o amor e o sexo. Ninguém fala de sexo como Gabo (isso para não falar no aspecto jornalístico e mágico de sua obra espetacular). Quanto a minha cabeceira, o único livro que sempre está lá é o Evangelho Segundo o Espiritismo, de Allan Kardec.

Guimarães Rosa, em suas andanças e viagens como cônsul, embaixador do Brasil, anotava em cadernos cenas, conversas, paisagens, como pretexto na criação de seus personagens. E para você, de onde vem a inspiração?
Estou o tempo todo (mesmo que não queira) absorvendo, elaborando e editando tudo o que acontece fora e dentro de mim. Mas eu não faço anotações: se não desenvolvo o texto imediatamente e a ideia desaparece é porque não era uma boa. A ideia boa sempre volta.

Entrevista concedida à Neusa Soares, professora da Rede Pública Estadual. Pesquisadora do PDE (Plano de Desenvolvimento Educacional), sob orientação do curso de Letras da FAFIUV.

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