sábado, 13 de março de 2010

Helena Kolody: Olhos de Esfinge - urtiga! 10

.
Helena Kolody é uma das maiores poetas do Paraná, e é o ponto de partida para os estudos do projeto Memórias Poéticas do Vale do Iguaçu, patrocinado pela Fundação Araucária, e desenvolvido pelo setor de Literatura Brasileira do curso de Letras da FAFIUV. O projeto pretende fazer um resgate da poesia produzida na região. Algumas atividades estão previstas, como a elaboração da II Antologia Poética do Vale do Iguaçu, a produção de um documentário com depoimentos de poetas da região, bem como a aplicação de oficinas para alunos do Ensino Fundamental de escolas de União da Vitória e Cruz Machado.
.


«A frase/poema sai do cotidiano, passeia pela experiência da sensibilidade e termina por acertar no ponto limítrofe entre o pensar e o sentir». É o que Alice Ruiz diz em artigo para Galiere, em 1987, sobre a obra de Helena Kolody. Como se poeta e poesia se tornassem uma mistura homogênea no ato da escrita, «num aperfeiçoamento em que espírito e técnica se fundem para deixar em nós, definitivamente, o perfume da mais autêntica poesia». E é assim que se pode definir Kolody, não apenas uma poeta, mas a poesia em si, como se ambas fossem uma coisa única.
Desde pequena Kolody adorava ler e escrever. Seus primeiros poemas foram escritos com apenas 13 anos de idade. Nunca se esqueceu de suas origens, foi a primeira brasileira de sua família ucraniana: «Olha pela janela azul do meu olhar / sereno e transparente, onde se esconde calma / a misteriosa esfinge eslava que é minh'alma. / Se olhares bem, verás, por certo, desdobrar-se/ Pela minh'alma adentro a estepe soberana». Adora a cultura de suas raízes: «Na memória do sangue, / há bosques de bétulas, / estepes de urzes floridas / canções eslavas». Também sua terra natal, Cruz Machado, e as cidades onde passou a infância, Três Barras e Rio Negro: «Vim de meu berço selvagem, / lar singelo à beira d'água, / no sertão paranaense». E principalmente Curitiba, cidade onde cresceu e evoluiu intelectualmente: «Por fim ancorei para sempre / em teu coração planaltino, / Curitiba, meu amor!».
Helena foi professora de biologia. Suas aulas eram recheadas com poesias. No final das aulas lia um de seus poemas para a classe, todos ficavam encantados procurando decifrar o «enigma/professora de olhos azuis», que sempre foi muito misteriosa. A escritora viveu uma espécie de afastamento, não isolado, mas de observações deste demasiado mundo, e dessa observação um pouco narcisista, com olhos esfíngicos, dentro de um eu que se transfere ao leitor. Como diz Paulo Venturelli: «O que há de pessoal, na verdade, adquire uma coloração de inter-pessoal para permitir uma identificação mais plena com o leitor». Kolody criou poemas repletos de sonhos, de uma dimensão maior que a realidade, um sono acordado, ou como ela escreveu: «Do longo sono secreto/ na entranha da terra,/ o carbono que acorda diamante.”
O sono/sonho está presente em muitos de seus poemas: «Quando sonho, sou outra/ inauguro-me». Na verdade ela se inaugurava quando escrevia: «Vejo melhor/ quando sonho/ de olhos fechados», ou: «Na realidade eu sonho palavras». E apesar de querer ser só oniricamente, seus poemas a ligam com o mundo exterior. Venturelli nos diz que «ela precisa do leitor, já que pretende agir sobre ele por meio de magia. Então, cuidadosamente, deixa alguma porta entreaberta: afasta um eu excessivo e abre campo para a interferência do leitor». Seus primeiros escritos são mais líricos. Neles, pode-se constatar o amor impossível, amor que ela guardou só para si e para a poesia, pois não se casou e não teve filhos. Mas sabemos que um amor verdadeiro existiu: «(...) Eterno sonhador, teu vulto pensativo/ vive na timidez do meu amor esquivo». O amor para ela se tornou apenas sonho e literatura: «fomos duas arvores castas / não misturamos as raízes / Apenas enlaçamos / os ramos / e sonhamos juntos».
Outro traço marcante em sua poesia é a sua fé. Helena sempre foi muito católica. Um de seus poemas recebeu o imprimatur da igreja e se tornou oração: «Concede-me, Senhor, a graça de ser boa, / de ser o coração singelo que perdoa, / a solícita mão que espalha, sem medidas, / estrelas pela noite escura de outras vidas / e tira d'alma alheia o espinho que magoa». Conclui-se que Deus atendeu seu pedido, pois era adorada por todos. Leminski, sobre ela, relata: «Mãe querida, nada como ter uma fada na vida».
A maior realização literária se dá com os haicais e poemas curtos. Foi uma das primeiras brasileiras a se aventurar na arte oriental. Sua poesia mínima pode ser comparada a um vôo breve de águia, leve, veloz e impressionante: «Prisioneiro do nada / pássaro mutilado / que a distancia fascina». Foi Andrade Muricy quem a incentivou a investir nessa técnica, um conjunto de palavras que remete a uma enorme rede de imagens: «Escrevo por prazer. Às vezes, meus poemas afloram por inteiro. (...) São o que chamo de vivíparos. Estes são os melhores e geralmente estavam hibernando dentro de mim. Outros são ovíparos, é só um núcleo que amadurece».
Com a maturidade Helena, que era leitora de Proust e Fernando Pessoa, passou a adquirir mais técnica e a escrever de maneira mais filosófica, como no poema que dedicou para o poeta Paulo Leminski: «A casca espinhenta/ guarda a macia doçura da polpa». Sua obra representa uma vida de evolução intelectual. Por 23 anos fez parte da Academia Paranaense de Letras, sendo a segunda mulher a participar do grupo. Como em todo autor, podemos encontrar diálogos com outros escritores, como Cecília Meireles.
Sempre acompanhada de uma solidão única, refletindo sobre a morte, sobre questões metafísicas e trans-cendentais, Kolody acaba em suas últimas obras por apontar o valor da vida, defendendo o princípio de que a poesia pode transformá-la: «São palavras que decidem a sorte dos homens e o destino das nações». Então, deixa o pessimismo de lado e canta: «Se tens um elogio a proferir é tempo agora».
Quando perguntada sobre a morte, respondeu: «Não temo a morte porque creio no Eterno. O sonho continua sendo a minha matéria». Seu sonho se materializou em poesia, portanto ela se tornou ETERNA.


Karine Bueno da Costa
Graduada em Letras pela FAFIUV.
Cursando especialização em Língua Portuguesa e respectivas literaturas, na mesma Instituição. É integrante do projeto Memórias Poéticas do Vale do Iguaçu.



Poemas de Helena Kolody


Alquimia

Nas mãos inspiradas
nascem antigas palavras
com novo matiz.


Desafio

A vida bloqueada
instiga o teimoso viajante
a abrir nova estrada.


Prisão

Puseste a gaiola
Suspensa de um ramo em flor
num dia de sol.


Noite

Luar nos cabelos
Constelações na memória.
Orvalho no olhar.


Areia

Da estátua de areia,
nada restará
depois da maré cheia.



Indigência

Mãos de vento
constroem na areia
a exígua morada nos dias,
sem mirantes para o mar.


As ilustrações são representações do Ukiyo-e (“retratos do mundo flutuante”), conhecido também por estampa japonesa, um estilo de pintura desenvolvida no Japão ao longo do período Edo (1603-1867). Foi uma técnica amplamente difundida por meio de pinturas executadas com o auxílio de blocos de madeira usados para impressão entre os séculos XVIII e XIX (fim do período Edo). Geralmente representava temas teatrais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário