No ano de 1494 nascia em La Divinière, na França, François Rabelais. Ainda jovem entrou no convento dos franciscanos de Fontayne-le-comte, sendo ordenado frade em 1511, o que lhe permitiu aperfeiçoar vários tipos de ciência e estudar a fundo a literatura grega e latina. Por ser apaixonado pelo helenismo sofreu grande perseguição por parte dos franciscanos. Então, com ajuda de alguns amigos consegue ser transferido para a ordem dos monges beneditinos, onde se especializa em medicina e direito. Mais tarde, Rabelais acaba abandonando o hábito de frade e graças a suas grandes habilidades como médico passa a tomar contas dos doentes da região, e isso sem pedir nada em troca. Em 1528, receoso das perseguições dos protestantes, abandona de vez as vestes de sacerdote. Mais tarde, por volta de 1532, começa a conciliar a medicina com o hábito de escrever, que lhe rendeu a excomunhão da igreja, aliado ao fato de que foi o primeiro a dissecar um cadáver, contrariando o papa. Chegada a época da repressão ao protestantismo, foi obrigado a esconder-se por um tempo a fim de fugir das perseguições, - nesta época já estavam publicados Gargantua e Pantagruel. François Rebelais faleceu em Paris no dia 9 de abril de 1553, aos 59 anos de idade, enquanto se dedicava exclusivamente aos estudos.
Falando em especial da obra Gargantua, o autor logo nas primeiras linhas deixa clara a sua intenção que é provocar o riso e descontrair o leitor: «Caros leitores, que este livro vedes, /Libertai-vos de toda prevenção;/ E não vos melindreis, ô vós que o ledes, Que nenhum mal contém, nem perversão. / É verdade que pouca perfeição, / Salvo no riso aqui podeis obter: / Outra coisa não posso oferecer, / Ao ver as aflições que vos consomem; / Antes risos que prantos descrever, / Sendo certo que rir é próprio do homem. VIVEI ALEGRES».
Para começar a nos ater nos fatos que nos incitam ao riso em Gargantua temos que começar falando do protagonista, essa figura tão incomum e tão magnífica. Gargantua era filho de Grandgousier, um fidalgo da França, e Gargamelle, filha do rei de Parpaillots. Desde quando concebido já era esperado como um ser cheio de particularidades e de uma personalidade notável, mais Gargantua era muito mais que isso, se fosse um ente da mitologia grega, seria considerado um semideus, como se pode ver em trechos da obra como:
«Eis, porém que um velhaco de um artilheiro, que se achava nas ameias, alvejou-o com um tiro de canhão, atingindo-o fortemente na fonte direita, mas não lhe causando maior mal do que se lhe tivesse atirado uma ameixa».
Ou em outro:
«Gargantua bateu com uma enorme árvore no castelo e, com grandes golpes, derrubou torres e fortalezas, jogando tudo por terra». Por esses e outros podemos ver quão magnífica era a figura de Gargantua e de que proezas era capaz. Porém tinha ele também um lado que muitos chamariam de «nojento» como vemos no trecho:
«Vivia espojando-se na lama, lambuzando o nariz, emporcalhando o rosto, acalcanhando os sapatos, abrindo a boca às moscas e correndo alegremente atrás das borboletas das quais seus pais tinham o império. Mijava nos sapatos, cagava na camisa, assoava o nariz nas mangas, babava na comida, deitava por toda parte, bebia no chinelo e costumava esfregar a barriga com um cesto. Afiava os dentes com um tamanco, lavava as mãos na sopa e penteava-se com um copo».
Rabelais classifica Gargantua como uma obra cheia de pantagruelismo, que em genealogia com obras clássicas pode se tornar sinônimo de dionisíaco, afinal de contas, Gargantua diferencia-se de Baco somente pelo coração generoso e bravura incomparável que possui. Gargantua não descende de deuses como Baco, mais ambos nasceram de forma incomum, Baco da perna do pai Zeus, tornando-se deus do vinho, da festa e das orgias. Já Gargantua teve uma gestação mais longa, levou onze meses para nascer e já nascido, no lugar do choro largou um grande berro: «beber, beber». Não seria então Baco um ser pantagruelista e Gargantua um ser dionisíaco? Apesar de serem personagens distintos, as semelhanças entre os dois são bem visíveis. Na descrição da adolescência de Gargantua isso fica mais visível ainda:
«Dos três aos cinco anos de idade, por ordem do pai, Gargantua foi convenientemente alimentado e educado». (...) Passou todo esse tempo como as outras criancinhas do país, a saber: Bebendo, comendo e dormindo; Comendo, dormindo e bebendo; Dormindo, bebendo e comendo».
Gargantua desde jovem já se inclinava para um lado mais intelectual, provando ter uma mente brilhante, como quando contou ao pai sobre sua longa empreitada para descobrir a melhor forma de se limpar:
«Limpei-me com o cachê-nez de veludo de uma moça, e gostei, porque me causava no cu uma volúpia enorme. Outra vez, com uma boina da mesma moça, e foi a mesma coisa. Outra vez com um xale. Outra vez com umas orelheiras de cetim encarnado, mas tinham umas esferas douradas de merda que me esfolaram todo o rabo». E demonstrava, para espanto do pai, um raciocínio lógico impressionante que o fazia sentir orgulho do filho;
«Só se limpa o cu quando ele está sujo: ora, ele só está sujo quando se caga; logo para limpar o cu é preciso cagar».
Falando em especial da obra Gargantua, o autor logo nas primeiras linhas deixa clara a sua intenção que é provocar o riso e descontrair o leitor: «Caros leitores, que este livro vedes, /Libertai-vos de toda prevenção;/ E não vos melindreis, ô vós que o ledes, Que nenhum mal contém, nem perversão. / É verdade que pouca perfeição, / Salvo no riso aqui podeis obter: / Outra coisa não posso oferecer, / Ao ver as aflições que vos consomem; / Antes risos que prantos descrever, / Sendo certo que rir é próprio do homem. VIVEI ALEGRES».
Para começar a nos ater nos fatos que nos incitam ao riso em Gargantua temos que começar falando do protagonista, essa figura tão incomum e tão magnífica. Gargantua era filho de Grandgousier, um fidalgo da França, e Gargamelle, filha do rei de Parpaillots. Desde quando concebido já era esperado como um ser cheio de particularidades e de uma personalidade notável, mais Gargantua era muito mais que isso, se fosse um ente da mitologia grega, seria considerado um semideus, como se pode ver em trechos da obra como:
«Eis, porém que um velhaco de um artilheiro, que se achava nas ameias, alvejou-o com um tiro de canhão, atingindo-o fortemente na fonte direita, mas não lhe causando maior mal do que se lhe tivesse atirado uma ameixa».
Ou em outro:
«Gargantua bateu com uma enorme árvore no castelo e, com grandes golpes, derrubou torres e fortalezas, jogando tudo por terra». Por esses e outros podemos ver quão magnífica era a figura de Gargantua e de que proezas era capaz. Porém tinha ele também um lado que muitos chamariam de «nojento» como vemos no trecho:
«Vivia espojando-se na lama, lambuzando o nariz, emporcalhando o rosto, acalcanhando os sapatos, abrindo a boca às moscas e correndo alegremente atrás das borboletas das quais seus pais tinham o império. Mijava nos sapatos, cagava na camisa, assoava o nariz nas mangas, babava na comida, deitava por toda parte, bebia no chinelo e costumava esfregar a barriga com um cesto. Afiava os dentes com um tamanco, lavava as mãos na sopa e penteava-se com um copo».
Rabelais classifica Gargantua como uma obra cheia de pantagruelismo, que em genealogia com obras clássicas pode se tornar sinônimo de dionisíaco, afinal de contas, Gargantua diferencia-se de Baco somente pelo coração generoso e bravura incomparável que possui. Gargantua não descende de deuses como Baco, mais ambos nasceram de forma incomum, Baco da perna do pai Zeus, tornando-se deus do vinho, da festa e das orgias. Já Gargantua teve uma gestação mais longa, levou onze meses para nascer e já nascido, no lugar do choro largou um grande berro: «beber, beber». Não seria então Baco um ser pantagruelista e Gargantua um ser dionisíaco? Apesar de serem personagens distintos, as semelhanças entre os dois são bem visíveis. Na descrição da adolescência de Gargantua isso fica mais visível ainda:
«Dos três aos cinco anos de idade, por ordem do pai, Gargantua foi convenientemente alimentado e educado». (...) Passou todo esse tempo como as outras criancinhas do país, a saber: Bebendo, comendo e dormindo; Comendo, dormindo e bebendo; Dormindo, bebendo e comendo».
Gargantua desde jovem já se inclinava para um lado mais intelectual, provando ter uma mente brilhante, como quando contou ao pai sobre sua longa empreitada para descobrir a melhor forma de se limpar:
«Limpei-me com o cachê-nez de veludo de uma moça, e gostei, porque me causava no cu uma volúpia enorme. Outra vez, com uma boina da mesma moça, e foi a mesma coisa. Outra vez com um xale. Outra vez com umas orelheiras de cetim encarnado, mas tinham umas esferas douradas de merda que me esfolaram todo o rabo». E demonstrava, para espanto do pai, um raciocínio lógico impressionante que o fazia sentir orgulho do filho;
«Só se limpa o cu quando ele está sujo: ora, ele só está sujo quando se caga; logo para limpar o cu é preciso cagar».
Mais impressionantes e hilárias que a figura de Gargantua, são as demais personagens que o rodeiam, como sua grande égua, que foi enviada a Grandgousier pelo rei da Numídia e dada como presente a Gargantua:
«Era do tamanho de seis elefantes e tinha pés fendidos como os do cavalo de Júlio César, as orelhas pendentes como as cabras de Languedoc, e um pequeno chifre no cu. Quanto ao mais tinha pelo de alazão tostado, todo pintado de manchas cinzentas. Mas sobretudo tinha uma cauda horrível, pois era, pouco mais ou menos, tão grossa como o pilar de Cinq-Mars, perto de Langeais, igualmente quadrangular e com os pêlos pendurados como espigas de trigo». Com certeza um animal de aparência e dimensões impressionantes, e que muitas vezes ajudou a Gargantua na batalha contra os solados do rei Picrocolo, e às vezes mesmo sem querer, como quando os inimigos esperavam por Gargantua no vale do Véde a fim de capturá-lo numa emboscada:
«A égua soltou uma mijada para afrouxar a barriga, mas em tal abundância que formou, numa extensão de sete léguas, um verdadeiro dilúvio. Toda urina correu para o vale do Vede, enchendo-o tanto que todos os inimigos morreram horrorosamente afogados, as exceções de alguns que se encaminharam para uma colina a margem esquerda». Outra personagem da obra que nos desperta interesse é o incrível frade Jean de Entommeures, um religioso dedicado, mas um guerreiro de primeira, capaz de lutar até a morte para defender seus interesses, como quando a infantaria viria a fim de destruir as vindimas da Igreja de Sauillé. Ao ver que a colheita de uvas e a produção de vinhos estava ameaçada, frei Jean convençe os outros frades a lutarem em defesa da vindima, a fim de assegurar que teriam bom estoque de vinho no próximo ano. Ao se depararem com a idéia de que ficariam sem vinho, os frades largaram as ladainhas e foram à luta: «Jean de Entommeures atacava-os tão severa e inopinadamente que os derrubava como se fossem porcos, ferindo a torto e a direito, de acordo com a velha esgrima. Esmagava cabeças, quebrava pernas e braços, deslocava vértebras do pescoço, tirava rins do lugar, cortava narizes, machucava olhos, arrebentava queixos, afundava dentes pela garganta, destroncava omoplatas, esfacelava perneiras, desancava, despedaçava».
Apesar do espírito guerreiro de frei Jean, ele nos pareceria incapaz de tais atrocidades se o julgássemos pela descrição de sua pessoa feita antes desse momento: «Frei Jean, bom despertador de horas, excelente dizedor de missas, ótimo devorador de vigílias, em suma, para resumir, um verdadeiro frade, se algum já ouve desde que o mundo fradesco se fradou de fradaria. Quanto ao mais, era um clérigo até os dentes em matéria de breviário».O que chama atenção é que frei Jean apesar de frade coloca em dúvida constantemente a pureza e castidade dos religiosos. Como quando diz a alguns peregrinos que jamais deixem suas esposas a sós com padres, a não ser que queiram as encontrar de barriga quando retornarem aos seus lares. Além do mais o próprio Frei Jean afirma: «até a sombra do campanário é fecunda». Já Picrocolo, num surto de loucura, convoca o seu exército e se apossa de Roche Clermaud, e depois, convencida por seus capitães de que tinha poder absoluto, passa a sonhar em dominar o mundo, o que o torna semelhante a um personagem notável da história mundial, Adolf Hitler. Ambos tiveram fins parecidos em conseqüências de seus devaneios egocentristas. Concluindo, Gargantua tem todos os quesitos para ser considerada até uma comédia, pois dispõe de elementos que nos provocam riso do início ao fim da obra. Parece que Rabelais realmente chegou ao seu objetivo.
Comentário de Bakhtin sobre Rabelais:
«Costuma-se assinalar a predominância excepcional que tem na obra de Rabelais, o princípio da vida material e corporal: imagens do corpo, da bebida, da comida e da vida sexual. São imagens exageradas e hipertrofiadas. Alguns batizaram a Rabelais como o grande poeta «da carne» e «do ventre». As explicações desse tipo são apenas formas de modernização das imagens materiais e corporais da literatura do Renascimento; são-lhes atribuídas significações restritas e modificadas de acordo com o sentido que a «matéria» e o «corpo» adquiriram nas concepções dos séculos seguintes. No entanto, as imagens referentes ao princípio material e corporal em Rabelais são a herança da cultura cômica popular, de um tipo peculiar de imagens e, mais amplamente, de uma concepção estética da vida prática que caracteriza essa cultura e a diferencia claramente das culturas dos séculos posteriores».
Leandro José Müller, acadêmico de Letras da FAFIUV
Leandro José Müller, acadêmico de Letras da FAFIUV
que merda
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