terça-feira, 25 de agosto de 2009

Notas sobre a censura: um direito à negação ou uma negação aos diretos? - urtiga n°6

Refletir sobre as formas e manifestações da censura nos obriga a refletir sobre as próprias formas e manifestações de nossa democracia. Isso porque a censura/censores crê-se na exata medida do contraponto da liberdade de expressão. Disso abrem-se algumas questões importantes para tematizar melhor esse problema: afastando-nos dos regimes totalitários, a censura é uma defesa dos princípios democráticos que defende ou sua negação mais profunda? Melhor ainda seria perguntar contra o que agem os defensores da democracia quando fazem uso da censura? Essa pergunta é fundamental uma vez que os limites da censura não são claramente definidos, pois ao censurar a produção de idéias, seus produtores e o produto, acaba impondo barreiras aos possíveis receptores, o que limita completamente o princípio democrático ao impossibilitar o exercício da reflexão e da escolha, algo muito caro aos princípios democráticos.
Olhando a questão por uma perspectiva histórica saberemos que a censura sempre quis combater idéias. A Grécia Antiga justificava seu uso em nome do governo da polis, ou seja, contestar esse governo era contestar a expressão dos próprios cidadãos que o compunham; Platão, partindo do princípio da representação, acreditava que a poesia devia ser controlada: representação (obra) de uma representação (vida), a obra poética era uma espécie de falsidade da falsidade que afastaria ainda mais o homem da verdade (mundo das idéias); na medievalidade tomada por forte espírito religioso e com o forte controle eclesiástico, ocorre a imposição de concepções extremamente dogmatizantes sobre o homem, mundo e Deus; Em 1229 é criado o Tribunal do Santo Ofício, que vai definitivamente insti-tucionalizado com a bula Ad Extirpanda, em 1252 pelo papa Inocêncio IV. Dessas experiências inquisitoriais teremos a publicação do Índex Librorum Prohibitorum, ou seja, um arrolado de obras proibidas aos católicos. O mesmo acontecia no mundo protestante que não só proibia obras com conteúdos católicos, como qualquer outra obra de outra igreja reformada.
Seria pouco producente continuar passeando pelos períodos revolucionários dos séculos XVII e XIX, a proibição a Enciclopédia de Diderot e D'Alembert, e as experiências mais recentes dos regimes totalitários nazi-fascistas, stalinistas e maoístas. Dizer que em um momento ou outro da história da humanidade diferentes grupos sociais foram mais ou menos submetidos a formas de censura, estiveram mais propensos a sua aceitação ou mais reiteradamente tentaram resistir a ela seria falar sobre o óbvio. Agora o que realmente interessa e que me chama atenção é a possibilidade de refletir sobre possibilidades abertas para tudo aquilo que a censura procura combater. Se os censores ao longo da história tivessem se dado conta de que ao proibir autores, obras, livros e idéias, e ao produzir minuciosos arrolamentos e categorizações acabaram por fornecer importante material de referência sobre aquilo que pretendiam proibir, teriam medido melhor suas ações.
As lições da história mostram que a censura em si é contraproducente em relação ao amadurecimento do público e a capacidade de construção de um arbítrio capaz de exercer pressão e indicar os rumos de tudo aquilo que se produz para seu consumo. A censura fere princípios constitucionais: Artigo 220º A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. A censura, uma vez que é imposta, impossibilita o diálogo, fere a democracia. Mas, se existe algo de bom nela, é que aguça a curiosidade, estimula a criatividade de produção e consumo, e dão a exata medida dos valores daqueles que dela fazem uso. Ao produzir críticas e impor proibições a determinados gestos e condutas, temas e idéias, quer sejam eles religiosos, morais, sexuais, políticos e outros, os regimes políticos, religiosos ou indivíduos tomados isoladamente se mostram mais claramente e se fazem conhecer muito melhor do que se desse expediente não tivessem feito uso. Na maioria das vezes, mal uso. Portanto as expressões devem ser feitas livremente, todos os excessos devem ser contidos pela lei. Essa mesma lei que diz que toda censura deve ser vedada. Digo tudo isso por ser meu direito de dizer. Ou citando Voltaire: Não concordo com uma só palavra do que dizes, mas defenderei até a morte o direito de dizê-las!

Ilton Cesar Martins
Prof. de História da FAFIUV

Nenhum comentário:

Postar um comentário