domingo, 28 de junho de 2009

A Pré-estréia do papa do Modernismo: Mário de Andrade - urtiga! n°4


Era Primavera no Hemisfério Norte. O ano: 1917. O mundo estava em transição. A Europa sofria os horrores da I Grande Guerra. O sentimento de repulsa ante uma ação tão vergonhosa, a comoção e o sofrimento que a guerra traz, tomaram conta do resto do mundo. No Brasil, particularmente em São Paulo, um jovem pacifista decide lutar a favor daqueles que sofrem uma violência tão estúpida, sobretudo franceses, belgas e alemães por quem nutre gratidão e admiração. Suas armas... Apenas versos. Versos esses que, escritos no mês de abril, mantinham a esperança que a sua poesia brotasse, juntamente com as flores primaveris, sobre uma Europa em cacos: «- Por sobre o torso lívido e canhestro/ da Europa em ruína vem também agora / brilhar, de manso, o maio em sol dum estro:/ deixai, floresçam, nos seus tons diversos,/ as rosas matutinas desta flora,/ a primavera destes simples versos!» O jovem é Mário de Andrade. Escritor modernista que, a princípio, busca inspiração em autores europeus como Heine, Verhaeren, e essencialmente em António Nobre, de onde, talvez, tenha herdado singulares características simbolistas e parnasianas de composição.E é assim que desponta a obra de Mário de Andrade Há uma gota de sangue em cada poema, ainda sob o pseudônimo de Mario Sobral, nome escolhido por conta do toque português, para melhor aproximação de um universo europeu, muito cantado nesses versos. São 13 os poemas que compõe essa obra pacifista. Todos eles, ou defendem a paz, ou depreciam a guerra e quem faz a guerra, por isso é que em cada um deles deparamos com certas dores de melancolia, de ferida ou de morte, ou seja, podemos encontrar pelo menos uma gota de sangue em cada poema: «Diante de tanto mal e tanta ruína,/de tanta inveja parda e estulta,/diante desse ódio frio e cru,/pálida, imóvel, trágica e divina,/sobre a devastação que cresce e avulta,/surgiu minha dor, como um mármore nu».Embora encontrados alguns resquícios simbolistas e parnasianos, em Há uma gota de sangue em cada poema, Mário de Andrade já evidencia tendências modernistas. Também é possível encontrar uma ortografia simplificada, sem “ph” ou “th” e grafias como “quarto-de-hora” e “há-de”, inaugurando assim uma ortografia idiossincrática, a sua maior marca. No esforço de criar uma nova linguagem literária, Mário de Andrade se dedicou à busca de uma linguagem abrasileirada, mais próxima do popular. A ortografia de Mário era muito peculiar, escrevia numa linguagem coloquial, sempre buscando uma aproximação entre a linguagem escrita com a da fala. Por conta de seus ideais, recebeu ao longo dos anos, inúmeras críticas, entre elas a do amigo Manuel Bandeira, que diz ser “de um ruim esquisito” a obra de 1917. Contudo Mário de Andrade dizia «Eu tenho o orgulho já de dizer que sou um brasileiro abrasileirado».Porém, essa pré-estréia não revela ainda Mário de Andrade um modernista completo, sua aclamação acontece mesmo na Semana de 22, com a publicação de Paulicéia Desvairada, em que passa a ser considerado o Papa do Modernismo.Em 1944, em meio a II Guerra Mundial, publica novamente seus versos pacifistas, juntamente com mais duas obras, Primeiro Andar e A escrava que não era Isaura, em Obra Imatura. Essas são obras essenciais para se compreender o artista “ainda imaturo”. Em entrevista ao jornal Diário de S. Paulo diz: «Não renego nem devo renegar esse livrinho, apesar do seu ruim esquisito». O paulistano Mário de Andrade foi muito mais do que poeta. Foi também músico, romancista, contista, professor, estudioso de cultura popular, ensaísta, prolífero escritor de cartas e um poderoso agitador cultural, parecendo assim confirmar a sua multiplicidade no verso: «Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cinquenta».

Andréa Rocco Liziero,acadêmica de Letras da FAFIUV

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