domingo, 28 de junho de 2009

José Castello: a literatura como invenção da escrita e do escritor - urtiga! n°4

José Castello, carioca, nascido em 1951, radicado em Curitiba desde 1994, é jornalista e escritor. É também um dos críticos literários mais conceituados do país.Conhecido como o autor das biografias de Vinícius de Moraes, João Cabral de Melo Neto e Rubem Braga, Castello não pretende repetir a experiência, pois crê que a biografia é um gênero impossível, já que ninguém pode reconstituir a vida de alguém, ainda mais de um morto. O autor afirma que escreve porque sempre teve uma imaginação muito forte, o que não quer dizer que seja boa ou rica. Escreve para testar seus limites e a força de seus sonhos. É escritor do absurdo e prefere escrever ficções, pois lidam com a imaginação.Tem um grande desrespeito pelos gêneros: suas crônicas podem ser lidas como contos, seus ensaios tendem para a ficção, seus contos escondem poemas. Acredita que é importante explodir as fronteiras, alargar os limites da ficção para ver até onde ela pode chegar.Castello defende que a melhor literatura é aquela feita sem fórmulas, aquela que despreza os cânones e as regras dominantes, que despreza a própria noção de «literário». Clarice Lispector um dia lhe disse: «Com medo ninguém consegue escrever!». Segundo ele, escrevemos preocupados em acertar, em agradar o leitor e a crítica. No entanto, o escritor só deve agradar a si próprio, só assim a literatura pode fazer sentido. Por isso o autor, que já se sentiu inseguro, hoje se sente livre e seguro na hora de escrever.José Castello é colunista do suplemento “Prosa e Verso”, de O Globo e colaborador regular do jornal Valor Econômico, das revistas Entrelivros e Época, e do mensário Rascunho, de Curitiba. É mestre em Comunicação pela UFRJ. Foi cronista do jornal O Estado de S. Paulo e editor de «Idéias» do Jornal do Brasil. Foi chefe da sucursal carioca da revista Istoé e repórter de Veja. É autor dos seguintes livros:O Poeta da Paixão (Companhia das Letras, 1993) (biografia de Vinícius de Moraes, prêmio Jabuti de biografia e ensaio em 1994);Na cobertura de Rubem Braga (José Olympio, 1996, retrato de Rubem Braga);Inventário das Sombras (reunião de retratos de escritores e artistas como Artur Bispo do Rosário, José Saramago, Clarice Lispector, Manoel de Barros e Nelson Rodrigues, entre outros, Record, 1999);Fantasma (romance, finalista do prêmio Jabuti 2003 e menção especial do prêmio Casa de las Américas, de Cuba, 2003, editora Record, 2001).As melhores crônicas de José Castello (seleção de 75 das crônicas que publicou durante nove anos no jornal O Estado de S. Paulo, Global, 2003, finalista do prêmio Jabuti 2004).Pelé/ Os dez corações do Rei (retrato de Pelé, Ediouro, 2004).João Cabral de Melo Neto: O Homem Sem Alma/ Diário de Tudo, Bertrand Brasil, 2006.A literatura na poltrona/ Jornalismo literário em tempos sombrios, editora Record, 2007.



Priscila Zastani, acadêmica de Letras da FAFIUV; desenvolvendo pesquisa sobre a obra de José Castello.




ENTREVISTA:




1 – José, para você que é escritor e crítico, quais são os limites entre a crítica e a literatura?

R - Creio que são muito frágeis. A crítica mais difícil, mas também a mais importante, é a crítica de si. Ninguém se torna um bom escritor sem desenvolver o pensamento crítico. Veja o exemplo do João Cabral. Ele dizia que seu sonho era ser crítico, e não poeta! Como não conseguiu ser crítico, e terminou poeta - grande poeta - fez da poesia um instrumento crítico, praticou-a como crítica. Através dos poemas, fez a crítica (brilhante) de outros poetas e artistas. Mas foi sobretudo um rigoroso crítico de si mesmo – e não tivesse sido, não conseguiria escrever a poesia tão rigorosa e genial que escreveu.

2 – Em seu livro “O Fantasma”, o narrador busca o fantasma do poeta Paulo Leminski, em Curitiba. Poderíamos pensar na literatura como a busca de um fantasma?

R - Num certo sentido, creio que sim. E por que? O escritor escreve, sempre, no escuro. Ou com um olho aberto (a consciência crítica, o projeto, as idéias) e outro fechado. É com esse olho fechado que as coisas mais importantes acontecem. É muito comum ouvir um escritor dizer que começou a escrever um livro e lhe «saiu» outro. Isso aconteceu comigo, enquanto escrevia o Fantasma. Meu projeto original era escrever um ensaio sobre Curitiba, cidade em que vivo desde 1994. Cheguei a assinar um contrato com a editora Record para escrever esse ensaio, que faria parte de uma coleção de ensaios urbanos. Acontece que só conseguia escrever um monte de lugares comuns, de tolices. Trabalhei meses a fio no ensaio e não avançava, escrevia e jogava fora. A partir de certo ponto, para me distrair, sem nem pensar direito no que fazia, comecei a tomar notas à mão a respeito da história de um arquiteto que escreveu um livro sobre Curitiba, odiou-o e resolveu queimá-lo. Chegou um ponto em que eu me interessava muito mais por essa história do que pelo ensaio que tentava escrever. Um dia, a Luciana Villas-Boas, minha editora, me ligou, para perguntar pelo ensaio. Eu resolvi desabafar, disse que não conseguia avançar, que o que escrevia era horrível, tão horrível que, para me distrair, começara a escrever uma história que eu não sabia se era um conto, um romance, uma crônica, o que era. Luciana, que é uma editora sensível, não vacilou: sugeriu que eu jogasse o ensaio fora e me dedicasse a minha história. Foi o que fiz e meu romance, Fantasma, saiu. Se é bom, se é ruim, se presta, se não presta, isso é outro problema. Era o livro que eu devia escrever. É como dizia a Clarice: “Não sou eu quem escrevo, são meus livros que me escrevem”.


3 – Você já escreveu sobre seu encontro com Vinícius de Moraes e apontou para o lado melancólico de sua poesia. Como acha que Vinícius vem sendo lido quase trinta anos após a sua morte?

R - Infelizmente, ainda com muitos preconceitos, que se materializam na alcunha, aparentemente amorosa, do “poetinha” - que não passa de uma maneira sutil de diminuí-lo. Ainda existe um forte preconceito contra o lirismo. Essa é uma marca da poesia do século 20 que foi, sobretudo, racional e experimental. Vinícius foi um grande lírico e nunca se livrou desse preconceito. É claro, a reedição organizada da obra de Vinícius pela Companhia das Letras, a partir dos anos 90, começou a mudar isso. Minha biografia, O Poeta da paixão, ajudou. A nova reedição de sua poesia feita agora sob os cuidados do Eucanaã Ferraz e do Antonio Cícero ajuda mais ainda nisso. Mas, infelizmente, Vinícius ainda tem sua imagem cercada por preconceitos e superstições. Muitos insistem em vê-lo como um boêmio, um show-man, um músico, um clown moderno - que nas horas vagas fazia poesia. Isso é uma loucura! Vinícius é um dos maiores poetas da língua portuguesa em todos os tempos.

4 – Você concorda que suas crônicas tendem para o absurdo? Quais são os escritores dessa vertente que mais o influenciaram?

R - Não sei se tendem para o absurdo, será? É uma coisa em que nunca pensei. Tentando pensar agora. Admiro muito o Ionesco, considerado o pai do teatro do absurdo. Mas não acredito muito nesses clichês - absurdo, fantástico, etc. Sempre desconfio dos clichês, acho que os escritores ficam asfixiados dentro deles. Talvez você se refira a meu descompromisso com o realismo, até mesmo meu desprezo. Minhas crônicas são contos, ou se aproximam dos contos. Quando As melhores crônicas de José Castello foi editado pela Global, me contaram, houve uma dúvida se chamariam “melhor crônicas”, ou “melhores contos”. Só optaram pelo “crônicas” porque assim elas foram publicadas originalmente no Caderno 2 de O Estado de S. Paulo. Saíam em um lugar reservado, diariamente, para crônicas. Eu o ocupava às terças-feiras. Lá em cima estava a palavra: “crônica”. Mas nunca dei muita importância a ela. Até porque a crônica é um gênero limítrofe, que está entre o jornalismo e a literatura. É um gênero híbrido. Talvez por isso elas lhe pareçam absurdas: porque traziam a palavra crônica acoplada. E, em geral, se relaciona a crônica ao jornalismo, à realidade, a histórias “que realmente aconteceram”. Talvez daí venha sua impressão, de “absurdo”.

5 – Em seu livro “Inventário das Sombras”, a maioria dos escritores apresentados possuem a característica de terem se tornado personagens de si mesmos. Qual foi o critério que você utilizou nessas escolhas?
R - Critérios totalmente pessoais. Nem podia ser o contrário. Quando decidi escrever alguns retratos de escritores, escolhi, é claro, escritores por quem sou apaixonado, que leio sempre, com grande entusiasmo. São escolhas pessoais, parciais, subjetivas. Não atendem a nenhum critério “científico”, ou normativo. Quanto a serem personagens de si mesmos - creio que todo escritor é, um pouco, personagem de si mesmo. Não é só um narrador que você deve inventar quando escreve uma ficção: é também um escritor. Ninguém é escritor por hereditariedade, por título de nobreza, por merecimento. Alguém se faz escritor, se declara escritor - e assume essa palavra - ou não faz isso. Tornar-se escritor é uma escolha. É inventar-se como escritor. E, no momento em que o cara se inventa como escritor, ele já está se formulando, um pouco, mesmo que não pense nisso, como um personagem. Isso não é explícito, isso fica numa zona sombria. É dessa zona de sombras, justamente, que meu livro trata.

6 – Você acredita que o silêncio pode ser a maior obra de um escritor?

R - Não creio. É verdade que todo silêncio, mesmo o mais banal, é significativo. É verdade ainda que o silêncio faz parte da escrita. Ele se expressa nos pontos, nas vírgulas, nas reticências, nos ponto e vírgulas. Assim como não existe música sem pausa, não existe literatura sem silêncio. Quando o escritor diz uma coisa, silencia sobre outras - faz uma escolha. O silêncio está na base de tudo. Ele é também matéria de literatura - de qualquer literatura. Agora, se você se refere aos escritores que desistem de escrever, como o Villa-Matas trata em Bartleby & Companhia - aliás, um dos livros mais geniais que já li - aí já não sei dizer. Ao silêncio do Raduan Nassar, eu preferia ter livros novos. Mas cada um sabe de si. Cada escritor - como um jogador de futebol, ou um cantor lírico - sabe a sua hora de parar. Também deve inventá-la, à sua maneira, a seu modo, segundo seus valores e sua sensibilidade. Não vou julgar ninguém porque parou de escrever. Mas eu realmente prefiro as palavras. (FIM)

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