terça-feira, 14 de abril de 2009

Um retrospecto da produção literária de Graciliano Ramos: os 70 anos de Vidas Secas - urtiga! nº2

“Só conseguimos deitar no papel os nossos sentimentos, a nossa vida. Arte é sangue, é carne. Além disso não há nada. As nossas personagens são pedaços de nós mesmos, só podemos expor o que somos” (em uma carta à irmã, 23/11/1949, Graciliano Ramos ensina-a a criar as personagens). O velho Mestre Graça, como os amigos costumavam chamá-lo, é sem dúvida um dos mais importantes escritores que o Brasil e o mundo tiveram a honra de conhecer. Principal representante do regionalismo brasileiro, Graciliano foi amigo, em especial, de José Lins do Rego, escritor da geração de 30; Capitão Lobo, amigo durante as tristes horas de cárcere; José Olympio, editor; Cubano, ladrão que conheceu no cárcere.
Um sertanejo magro, de ombros curvos, sempre com um cigarro ardendo entre os dedos, ou na boca. De vestimentas simples, mas asseadas, mãos limpas (em todos os sentidos). Conhecido pelo seu estilo seco, criando fama de grosseiro, principalmente em conversas cotidianas. Odiava andar, detestava rádio e telefone, tinha terror às pessoas que falavam alto, não gostava de frutas nem de doces, gostava de beber aguardente. Ateu, porém sua leitura preferida era a Bíblia. Quando prefeito de Palmeira dos Índios soltava os presos para construir estradas. Este era o grande Graciliano Ramos.
Sua vida literária começa, justamente, quando prefeito, publicou na Imprensa Oficial de Alagoas um relatório dirigido ao Governador Álvaro Paes que classificou como “um resumo dos trabalhos realizados pela Prefeitura de Palmeiras dos Índios em 1928”. Tal relatório chegou às mãos do poeta e editor Augusto Frederico Schmidt, que prontamente detectou o talento literário do escritor, já que este usou de linguagem literária na escrita do relatório.
Graciliano publicou inúmeras obras, porém, uma em especial aniversariou no ano passado, Vidas Secas, que completou setenta anos. Fabiano e Sinhá Vitória ainda vivem na memória de seus leitores, assim como Baleia e os meninos, o mais novo e o mais velho. Essa obra surgiu da necessidade, pois em 1937, quando Graciliano sai da prisão, vai morar com a família numa pensão modesta, precisando de dinheiro inicia a produção de contos para o jornal La Prensa, de Buenos Aires (capítulos de Infância e Vidas Secas). “Escrevi um conto sobre a morte duma cachorra, um troço difícil como você vê: procuro adivinhar o que se passa na alma duma cachorra. Será que há mesmo alma em cachorro? Não me importo, meu bicho morre desejando acordar num mundo cheio de preás. Exatamente o que todos nós desejaríamos. A diferença é que eu quero que eles apareçam antes do sono...” (Graciliano comentando, em entrevista, sobre o conto Baleia). Em 1938, a edição do romance Vidas Secas marca o ápice de sua produção literária, que ao longo desses setenta anos foi traduzida para inúmeros idiomas. A história da família de retirantes, contada em treze capítulos independentes, traz um Fabiano que não tinha muitos sonhos na vida, a não ser falar como o seu Tomás da Bolandeira, que serve, também, de inspiração para Sinhá Vitória, que sonhava em ter uma cama igual à dele, aliás, ela é a personagem mais sonhadora da obra, sendo, também, a mais inteligente controlava as contas da casa, bem como os sonhos de todos. Baleia gira como a personagem central da obra, justamente por ser a única com uma alma, a mais humana de todas, já que as outras personagens figuram como animais (um processo de animalização), percebemos isso na figura dos meninos, o mais novo tem o pai como ídolo, o mais velho é curioso, sua curiosidade lhe rende alguns cascudos.
Valorizando substantivos e verbos, Graciliano constrói uma obra sem floreios, escrevia como um “mandacaru”, diz Oswald de Andrade. Assim, o Mestre Graça (re)constrói um mundo que ele mesmo viveu, repassando aos leitores a sua aguçada visão do “nosso” mundo real.

Atilio A. Matozzo
Professor de Lingüística da FAFIUV


Ilustração de Aldemir Martins
para Vidas Secas, em 1963

Nenhum comentário:

Postar um comentário