quarta-feira, 25 de março de 2009

Um papo com o poeta Carpinejar - urtiga! nº1

Em novembro de 2008, o poeta, jornalista e professor Fabrício Carpinejar participou do Paiol Literário, em Curitiba. No evento, que vem ganhando destaque no cenário cultural do Paraná, o autor de As solas do Sol, afirmou: «A literatura produziu isso em mim: um estranhamento para recuperar a intimidade das coisas». A frase é suficiente e esclarecedora. Estranhar a palavra, nesse sentido, é também estranhar o mundo. Teóricos do formalismo russo costumavam dizer que um dos traços mais característicos da poesia é justamente a capacidade de criar estranhamento com a linguagem. Esse procedimento tem o potencial de transformar nossa relação com a realidade à medida que permite ao poeta atuar como um camaleão. Não é à toa que Carpinejar se considere a drag queen da poesia brasileira: «Já fui uma criança, já fui um velho, já fui o pai, já fui a mãe». O poeta, com alter-ego de transformista, não esquece porém que a poesia produz silêncio. Os poemas de Carpinejar são bons porque produzem no leitor aquela extensão do silêncio de que nos fala Manoel de Barros: «Há muitas maneiras sérias de não dizer nada: mas só a poesia é verdadeira».

Fabrício Carpinejar, Carpi de mãe, e Nejar de pai, nasceu em Caxias do Sul (RS) na primavera de 1972. Possui 12 livros publicados. É Mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e é uma das revelações de nossa literatura. Sua obra possui uma fina delicadeza, tem o lirismo correndo em suas veias. Ele pensa poesia, seja qual for o texto: conto, crônicas, enfim, são sempre poeticamente escritos. A entrevista foi concedida à acadêmica do 4.º ano de Letras Português/Espanhol da Fafiuv, Jucimara Garbos.

ENTREVISTA

JG - Quais são seus livros de cabeceira? Um poema e um autor que mais o agradam?
FC - Cabeceira é longe. Livros ficam na própria cama, como almofadas de minhas mãos. As mãos também precisam de lençóis. Gosto muito de Goethe. Uma frase dele é como epígrafe do que acredito: “Se queres caminhar ao infinito, caminhe por todos os lados do finito”.

JG - Fabrício, você acredita que a literatura tem o poder de representar um estado de sentimento, ou tudo é fruto de um jogo; o poeta seria aquele de Fernando Pessoa, um fingidor?
FC - Não há fingimento que não passe para o lado da verdade. É só começar a fingir que já viramos a casaca. Mesmo quando a mulher finge o gemido está treinando o orgasmo. O poeta é aquele que não sabe mentir sua emoção, pode alterar a ordem dos fatos ou a maneira de expressá-la. O dicionário sente inveja da poesia. A poesia casa, o dicionário separa. O dicionário é a Vara de Família.

JG - Conte como foi a sua química pela poesia, como ela o envolveu?
FC - Quando eu vi que era possível ser tudo o que sonhei em segredo. Poderia ser qualquer profissão. Poderia ser qualquer pessoa. Poderia habitar todo nome. Ser ninguém é uma forma de ser um pouco cada um que amo todo dia. Minha personalidade é influenciável. Decidi pela poesia, de modo organizado, aos 16 anos. Desisti das cartas de amor para amar fora do papel. O risco de redigir cartas é amar o papel mais do que o destinatário: fugi dessa cilada.

JG - Leio seu blog diariamente (fabriciocarpinejar.blogger.com.br). Você acredita que ele é um meio de divulgar sua obra, como faziam os escritores antigamente com os folhetins?
FC - Sim, perfeito, é uma novela com capítulos, participação, tramas e ações encadeadas. O blog é o folhetim interativo. A reinvenção da vida privada. Com a malícia da confusão, o ímpeto da imaginação e o tempero da proximidade.

JG - Você acaba de publicar seu novo livro: Canalha! (2008). Qual seu maior motivo para escrever tanto?
FC - Ter ficado calado toda a minha infância, eu somente destravei agora. Eu me guardei muito tempo. Fiz estoque na despensa, acumulei. Escrevo para descontar a asma e recuperar o tempo que nunca foi perdido.

JG - Uma mensagem aos novos leitores de Carpinejar.
FC - Que não estranhem meus óculos, minha careca e as unhas pintadas: sou perigosamente caseiro.

Poemas de Carpinejar

Eu fui uma mulher marítima,
as rugas chegaram antes.

Eu fui uma mulher marítima,
paisagem e pêssego,
uma faísca
entre a corda do barco
e a rocha.

Eu fui o que não sou.
Depois que inventaram o inconsciente,
a verdade fica sempre para depois.

***

A mãe orquestrava a horta.
Reservava espaço para ervas daninhas
e seu alfabeto de moscas.
Não mexia na ordem de Deus.
Louvada seja
a esmola de uma hortaliça.

***
Fazer as coisas pela metade
é minha maneira de terminá-las.


Carpinejar é autor dos livros:
As Solas do Sol
Um terno de pássaros ao sul
Terceira sede
Biografia de uma árvore
Caixa de Sapatos
Porto Alegre o dia em que a idade fugiu de casa
Cinco Marias
Como no céu e Livro de Visitas
O amor esquece de começar
Filhote de Cruz Credo
Meu filho, minha filha
Canalha!

(Entrevista originalmente publicada no jornal O Comércio, de União da Vitória - PR, em 2008)

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