A partir do final do século XIX, o Brasil viu proliferar jornais e revistas de literatura. Engana-se, então, quem pensa que foi com o Modernismo que a literatura pôde encontrar espaço de divulgação no âmbito dos periódicos. O movimento simbolista, por exemplo, chegou a veicular mais de duas dúzias de revistas. A maior parte delas brotou no Paraná, como O Cenáculo, Esphinge, O Sapo, Pallium, Azul, entre outras.
Ao longo do século seguinte, as publicações simbolistas foram gradativamente desaparecendo enquanto aflorava a poesia modernista. Nesse contexto, as revistas foram responsáveis pela organização do campo literário, funcionando não somente como um dispositivo de divulgação da produção poética de um determinado grupo, mas principalmente como um instrumento regulador de princípios estéticos que tinham como objetivo nortear os horizontes de criação e crítica. Ligadas à vanguarda, geralmente traziam manifestos, e ao fazê-lo, demarcavam seu território simbólico, desenhando, assim, suas posições ideológicas, ora em forma de uma politização da arte, ora em forma de uma estetização da política. Jacques Rancière, em A Partilha do Sensível, observa que essa noção militarista da vanguarda “define o tipo de tema que convém à visão modernista e própria a conectar, segundo essa visão, o estético e o político”. É o caso, por exemplo, de Klaxon, Festa, Verde e Revista de Antropofagia.
Algumas décadas se passaram e o interesse pelos jornais e revistas de literatura não morreu. Em pleno Brasil-Bossa-Nova, os irmãos Campos e Décio Pignatari provocaram o cenário cultural com as revistas Invenção e Noigandres, que marcariam a consolidação do Concretismo no Brasil. A partir da década de 70, inicia-se uma etapa favorável ao surgimento de novos periódicos. Sobre esse momento, talvez fosse melhor falar em “explosão”, pois não foram poucas as revistas lançadas: Flor do Mal, Navilouca, Código, José, Ficção, Escrita, para citar apenas alguns casos. A professora Maria Lúcia de Barros Camargo (UFSC), uma das principais pesquisadoras das revistas literárias brasileiras, nota que tal “explosão” foi saudada como um sintoma da revitalização da cena cultural brasileira que, segundo interpretações comuns à época, “vivia um período de vácuo, ou de vazio cultural, graças aos desmandos da censura imposta pelo regime militar”.
Não seria fortuito lembrar que a maioria das revistas da década de 70 não eram doutrinárias. Dessa forma, mesmo inserindo-se numa certa tradição, ousaram não acender velas ao paideuma. Esse desapego ao pedagógico, ao manifesto, talvez seja a grande característica legada às revistas contemporâneas, que começaram a surgir nos anos 90. O momento é propício: Inimigo Rumor, Medusa, Coyote, Sibila, Oroboro, Bestiário, Et cetera, Azougue, estas, a meu ver, as principais revistas literárias dos últimos anos. No âmbito do jornal, poderíamos citar o extinto Nicolau e o Rascunho, ambos de Curitiba. No Paraná, o recorrente interesse por revistas, do final do XIX à literatura do presente, mereceria um estudo à parte.
Para finalizar, aproveitando para saudar o surgimento de Urtiga!, um jornal menos pretensioso que os grandes periódicos, no entanto não menos apaixonado, poderíamos perguntar: Que pode significar ainda a fomentação dessa prática? Que importância podem ter as revistas e jornais de literatura no ambiente acadêmico, como é o caso de Urtiga? Poderíamos enumerar várias. No entanto, opto por enunciar apenas uma: «O prazer da descoberta». Nada mais estranho à literatura do que a idéia de utilidade. Uma revista literária não deve pretender doutrinar. É contra essa idéia pedagógica que as boas revistas contemporâneas vêm se posicionando. O crítico Raúl Antelo bem percebeu essa questão ao afirmar que a revista é, a princípio, não hierárquica; ela oferece múltiplos enunciados, «nem sempre passíveis de unificação ou convergência, porém, certamente rearticuláveis, em redes aleatórias, numa leitura de conjunto realizada a posteriori. Sua multiplicidade em conseqüência é anômala e estriada». Vida longa ao Urtiga! Como diria Vinícius de Moraes, « que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure».
Caio Ricardo Bona Moreira
Prof. de Literatura da FAFIUV
Ao longo do século seguinte, as publicações simbolistas foram gradativamente desaparecendo enquanto aflorava a poesia modernista. Nesse contexto, as revistas foram responsáveis pela organização do campo literário, funcionando não somente como um dispositivo de divulgação da produção poética de um determinado grupo, mas principalmente como um instrumento regulador de princípios estéticos que tinham como objetivo nortear os horizontes de criação e crítica. Ligadas à vanguarda, geralmente traziam manifestos, e ao fazê-lo, demarcavam seu território simbólico, desenhando, assim, suas posições ideológicas, ora em forma de uma politização da arte, ora em forma de uma estetização da política. Jacques Rancière, em A Partilha do Sensível, observa que essa noção militarista da vanguarda “define o tipo de tema que convém à visão modernista e própria a conectar, segundo essa visão, o estético e o político”. É o caso, por exemplo, de Klaxon, Festa, Verde e Revista de Antropofagia.
Algumas décadas se passaram e o interesse pelos jornais e revistas de literatura não morreu. Em pleno Brasil-Bossa-Nova, os irmãos Campos e Décio Pignatari provocaram o cenário cultural com as revistas Invenção e Noigandres, que marcariam a consolidação do Concretismo no Brasil. A partir da década de 70, inicia-se uma etapa favorável ao surgimento de novos periódicos. Sobre esse momento, talvez fosse melhor falar em “explosão”, pois não foram poucas as revistas lançadas: Flor do Mal, Navilouca, Código, José, Ficção, Escrita, para citar apenas alguns casos. A professora Maria Lúcia de Barros Camargo (UFSC), uma das principais pesquisadoras das revistas literárias brasileiras, nota que tal “explosão” foi saudada como um sintoma da revitalização da cena cultural brasileira que, segundo interpretações comuns à época, “vivia um período de vácuo, ou de vazio cultural, graças aos desmandos da censura imposta pelo regime militar”.
Não seria fortuito lembrar que a maioria das revistas da década de 70 não eram doutrinárias. Dessa forma, mesmo inserindo-se numa certa tradição, ousaram não acender velas ao paideuma. Esse desapego ao pedagógico, ao manifesto, talvez seja a grande característica legada às revistas contemporâneas, que começaram a surgir nos anos 90. O momento é propício: Inimigo Rumor, Medusa, Coyote, Sibila, Oroboro, Bestiário, Et cetera, Azougue, estas, a meu ver, as principais revistas literárias dos últimos anos. No âmbito do jornal, poderíamos citar o extinto Nicolau e o Rascunho, ambos de Curitiba. No Paraná, o recorrente interesse por revistas, do final do XIX à literatura do presente, mereceria um estudo à parte.
Para finalizar, aproveitando para saudar o surgimento de Urtiga!, um jornal menos pretensioso que os grandes periódicos, no entanto não menos apaixonado, poderíamos perguntar: Que pode significar ainda a fomentação dessa prática? Que importância podem ter as revistas e jornais de literatura no ambiente acadêmico, como é o caso de Urtiga? Poderíamos enumerar várias. No entanto, opto por enunciar apenas uma: «O prazer da descoberta». Nada mais estranho à literatura do que a idéia de utilidade. Uma revista literária não deve pretender doutrinar. É contra essa idéia pedagógica que as boas revistas contemporâneas vêm se posicionando. O crítico Raúl Antelo bem percebeu essa questão ao afirmar que a revista é, a princípio, não hierárquica; ela oferece múltiplos enunciados, «nem sempre passíveis de unificação ou convergência, porém, certamente rearticuláveis, em redes aleatórias, numa leitura de conjunto realizada a posteriori. Sua multiplicidade em conseqüência é anômala e estriada». Vida longa ao Urtiga! Como diria Vinícius de Moraes, « que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure».
Caio Ricardo Bona Moreira
Prof. de Literatura da FAFIUV
Parabéns pela revista! Está show! Tenho saudades desses grandes amigos... Sinto por estar longe... E quero publicar também!!
ResponderExcluirBeijão!